Mesmo com entrega de Fraser, ‘A Baleia’ é refém de uma encenação frágil
CRÍTICA Uma das principais aposta para o Oscar de Melhor Ator, Brendan Fraser encara desafio isolado
Mesmo devoto às obsessões, Darren Aronofsky parece não se dar conta que há neste seu novo capítulo um limite muito claro de encenação, percepção que nem passa necessariamente pela origem teatral do texto. Certamente podemos desconfiar do cenário ser tão unidimensional com uma câmera rodando sem rota de fuga, mas o mal-estar se dá pelo quão ilhado seu protagonista está não só ao centro daquele apartamento, mas no norte do próprio enredo, na forma como ele é destrinchado para nos causar emoção.
Adaptada de uma peça de 2012 escrita por Samuel D. Hunter (aqui também roteirista), a trama nos apresenta Charlie, um professor de inglês com obesidade severa que tenta se reconciliar com a filha Ellie que abandonou há muito tempo após uma separação cheia de traumas. Mais que o próprio Aronofsky, Brendan Fraser entende como seu personagem precisa estar contraditoriamente sempre à disposição dos acasos, entregando uma performance intrigante que encontra em Charlie uma personalidade menos óbvia e crível. Ao seu redor, porém, é que sobra pouca coisa.
Trazidos como contrapontos à forma com que Charlie vê o mundo, Ellie e Thomas surgem como personagens enfadonhos que ocupam um espaço insuportável da trama, construídos numa isolada intenção de transformar os sentimentos que movem o protagonista. Quando estão juntos, há um engasgo que costuma ser perceptível quando uma encenação de teatro é simplesmente trazida para a tela sem uma direção consciente. Além dessa forma como foram escritos, também não ajuda que suas interpretações transitem tão brutalmente entre o lugar-comum e a mera caricatura.
Sadie Sink, na pele pouco convincente de uma adolescente revoltada, pelo menos tem relação direta na compreensão do conflito. Ty Simpkins, como o missionário que vem defender a contradição da palavra de Deus, sofre de todos os lados – principalmente pelo roteiro que o joga de uma lado para o outro e não sabe muito bem como usá-lo na expectativa que se torne relevante, perdendo-o no emaranhado de tensões. Sua atuação apática encerra qualquer tentativa de conexão nossa, até mesmo quando seu personagem "ganha" mais camadas; tanto na cena da revelação de seu segredo quanto na agressão final, ele tem uma presença muito fugidia.
Além de Fraser, a única que divide a gravidade daquela situação é Hong Chau, numa personagem que oferece sensações conflitantes entre compaixão e desesperança antes mesmo da história nos revelar sua real importância. Mas diante do que é estabelecido entre os dois e o restante, parece tudo desencaixado. Preenchendo tudo com um sentimentalismo superficial, a trilha sonora fica pontuando interminavelmente a pena que o próprio filme tem daquele personagem sempre que seu corpo está em tela. É um filme sobre crueldade que nem desconfia que ele também está sendo cruel, obcecado pela forma como esse corpo consegue se movimentar e reagir.
Como é o mesmo sintoma de Mãe (2017), Aronofsky não parece ter uma sutileza consistente para construir os pormenores desse protagonista e sua "missão no mundo", somando ainda tensões religiosas que, mesmo rechaçadas, ainda estão no cerne da sua "lição moral" sobre a bondade que existe nas pessoas. Ao redor do conservadorismo, da violência divina e das respostas compulsórias ao luto e a problemas sem solução, orbitam dúvidas potencialmente envolventes - da forma como estão na tela, evaporam.
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter
Produção: Jeremy Dawson, Ari Handel, Darren Aronofsky
Direção de Fotografia: Matthew Libatique
Música: Rob Simonsen
Montagem: Andrew Weisblum
País: EUA
Ano: 2022
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