Tiradentes: "A Felicidade das Coisas" encontra um Brasil sem epifania
CRÍTICA Exibido na 43ª Mostra de São Paulo, filme chega na 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes em edição on-line
É verdade que o cinema brasileiro contemporâneo vem fazendo esse filme repetidas vezes nos últimos anos olhando para a crise de uma classe média decadente, enganada, frustrada com um Brasil despencado de suas promessas. Histórias como Campo Grande (2015), Fala Comigo (2016), Como Nossos Pais (2017), Benzinho (2018) e Domingo (2019) se comunicam abertamente com essas configurações, tanto na sobriedade quanto na caricatura. Mas também é verdade que, distante do que essa comparação possa indicar, cada um desses filmes constrói seus diálogos particulares apesar de todos suporem uma contentação irreparável – claro, essa camada da sociedade está muito longe de ser a mais penalizada pela desigualdade social brasileira.
Estreia de Thais Fujinaga, A Felicidade das Coisas surge no começo da década como raridade nessa coleção de filmes porque de todos eles, este é o que mais assume a falta de rotas de fuga – não há o quê, nem como, mudar nessa realidade empacada, limitada, sobrando então à camada do afeto a esperança de alguma felicidade que valha à pena. Na trama, Paula é uma mulher por volta dos 40 anos com dois filhos, grávida de um terceiro, que tem seu plano de férias bagunçado por várias ausências; a maior delas é a emperrada instalação de uma piscina como promessa de uma diversão que não o parque caro ao lado e nem o rio dito tão perigoso. Somado a isso, a antipatia de seu filho mais velho que defende sua distância na entrada da adolescência. A quem sobra o diálogo?
São muitos os elementos que dão o tom de melancolia e confiança nessa história, mas o que há aqui de mais surpreendente é mesmo a presença das personagens que é de um impacto cativante. A diferença entre as incorporações de Patrícia Saravy e Magali Biff, mãe e filha, é como um paralelo áspero com a distância entre os irmãos vividos por Messias Gois e Lavinia Castelari. Essa quadra de atuações impressiona constantemente na veracidade que pulsa em seus gestos, olhares, conversas e silêncios, cristalizando dois jeitos bem distintos de ver e sentir o mundo.
Gabriela e sua avó estão de acordo com a forma que aquela vida está posta, permitindo-se até mesmo aos sorrisos e boas memórias, enquanto Paula e Gustavo parecem sempre em transe, na expectativa de alguém que passe por ali e os leve para algum acontecimento de fato transformador. Brilhante aqui, técnica e afetivamente, é que não são movimentos que operam separados, mas juntos, adultos e crianças em mesma sintonia de emoção. Ao longo de 87 minutos, Thais vai conduzindo esse contraste em seu processo de descongelamento, consciente de que seu filme nunca propôs nada além disso.
A piscina do lado de fora, as estrelas vistas do rio, o parque à luz do dia... são imagens ao mesmo tempo eloquentes e misteriosas sobre os desencantos que discretamente entornam essas vidas. Nunca é um pedido de socorro (como talvez se espere), mas é como uma manifestação quieta das coisas que ainda podem dar certo. Os filhos, sua mãe, a casa e ela mesma. Pode ser frustrante, para alguns, que apesar do título este seja um filme tão “pouco feliz”, mas aquele olhar trocado nos 45 do segundo tempo, quem sabe, nos preveja um futuro muito diferente.
Mais uma vez, aqui não há um resultado, uma resposta ou uma epifania – porque, afinal, esses não são conflitos efêmeros e muito menos causados pelos personagens. Com esse novo capítulo, a Filmes de Plástico (produtora do belíssimo Temporada), continua nessa delicada missão de entender os valores urbanos e sociais desses vários Brasis tropeçados, constantemente, no próprio passo.
Filme assistido na programação da 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Direção e Roteiro: Thais Fujinaga
Produção: Lara Lima e Thiago Macêdo
Fotografia: Alexandre Taira
Direção de Arte: Dicezar Leandro
Som: Simone Alves e Vitor Moraes
Elenco: Patrícia Saravy, Magali Biff,
Messias Gois e Lavinia Castelari
País: Brasil
Ano de Lançamento: 2022
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