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Foto do escritorArthur Gadelha

A imagem política de ‘Moolaadé’, filme derradeiro de Ousmane Sembène

★★★★★ | Considerado “pai do cinema africano”, diretor senegalês se despediu em 2004 com uma revolta sem disfarces

Nesta semana, Fortaleza está recebendo a mostra “O Cinema de Ousmane Sembène - um tributo ao centenário do pioneiro dos cinemas africanos” com exibição de sete filmes que contemplam as cinco décadas de carreira do realizador (uma grande margem dos anos 1960 ao começo dos anos 2000). Com curadoria de Janaína Oliveira, a Mostra estreou em Belo Horizonte com iniciativa da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das Artes, e agora chega a Fortaleza como primeiro destino de sua itinerância.


Neste sábado, 15 de julho, tive o prazer de ‘Moolaadé’, seu último filme, lançado em 2004. Na trama, um grupo de meninas recusam a “purificação”/incisão de suas genitálias, e para fugir das retaliações se protegem com Collé (Fatoumata Coulibaly), uma mulher que poupou sua filha do mesmo destino. Enquanto o vilarejo começa a entender como reagir a essa quebra de tradição, o retorno de um morador – quase um forasteiro – termina por chacoalhar tudo quando é impedido de se casar com a filha "não-purificada" de Collé.


Como seu cinema político combate a imobilidade, a câmera de Sembène e seu fotógrafo Dominique Gentil também responde com muito movimento (zoom, traveling, etc), deslizando pelos cenários e personagens, dando gravidade à ameaça e à resistência. É um filme diurno, mas as cenas noturnas causam uma impressão especial. Há uma cena em que mulheres se reúnem debaixo de uma árvore com focos de luz ao fundo, e a lua, que é fascinante. Sembène vai construindo a reflexão e a revolta, que alguma hora vão explodir.


A pilha de rádios confiscados é outra imagem inesquecível, especialmente pelos significados de choque cultural numa conversa interna ao continente africano e as religiões colonizadoras. A maneira como os embates são filmados, então, carregam a tensão, contrapondo ou sobrepondo lados que tanto podem reafirmar suas distâncias quanto podem perceber que são os mesmos. Imagens políticas que escondem e escancaram.


‘Moolaadé’, portanto, não disfarça seu discurso e faz disso seu maior trunfo porque diante do que é – ou não – verossímil a mensagem se veste de uma personalidade incontornável, um grito que já ganha volume pelo fato de ser cinema. Muito longe de um filme que “observa” – que por isso pode até nos lembrar ‘Lingui: Os Laços Sagrados’ (2021), de Mahamat-Saleh Haroun – Ousmane Sembène, gentilmente, sustenta a estrutura da revolta com as próprias ferramentas de sua ficção.

 

Direção e Roteiro: Ousmane Sembène

Montagem: Abdellatif Raïss

Direção de Fotografia: Dominique Gentil

Desenho de Produção: Joseph Kpobly

Trilha Sonora Original: Boncana Maïga

Som: Jean-Guy Véran Christian Germain Denis Guilhem

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