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Foto do escritorArthur Gadelha

Marcélia Cartaxo reconstrói denúncia de ‘A Mãe’ abrindo mão da urgência

CRÍTICA Cristiano Burlan retoma violência e impunidade como tema centra do conflito.

Não resta dúvidas de que Pacarrete, de Allan Deberton, relançou Marcélia Cartaxo aos holofotes do Cinema Brasileiro - esse que parecia ter esquecido uma grande atriz que tinha em mãos. Depois de sair premiada de Gramado com uma personagem tão expansiva, estremeceu o Cine Ceará dois anos depois com A Praia do Fim do Mundo, fábula de Petrus Cariry onde ela vive uma mulher que, ao passo do destino, se deu por vencida. Neste ano, Marcélia encontra sua personagem mais urbana, ponderada, mas aparentemente sempre pronta para a explosão, como se colidisse as que vieram antes em A Mãe, filme de Cristiano Burlan que novamente lhe rendeu um kikito de atriz. Pautada por um texto muito discreto, no entanto, parece dizer pouco.


Na trama, Maria é uma migrante paraibana que vive no risco da ilegalidade ao se sustentar com a venda de óculos no centro de São Paulo, sob constante fuga da fiscalização. Quando seu filho desaparece de um dia para o outro, ela enfrenta um intratável universo do crime e da polícia militar, organização que violenta a periferia à partir da propagação de seu próprio poder. A história de Maria, vamos confirmar mais adiante, é como tantas outras.


Para quem não conhece sua Trilogia do Luto, é importante saber que Cristiano Burlan filma esse estado de tragédia do ponto de vista de alguém que o viveu. Lançado há quase 10 anos, Mataram Meu Irmão (2013) documenta a história que poderia ser essa de Valdo, cujo sumiço suspeita-se logo cedo ter responsabilidade da polícia paulista.


Mesmo que o espectador não saiba do que antecede essa trama na vida real, Burlan é habilidoso ao fazer com que as principais suspeitas sejam construídas ainda na condução da imagem, sem que a fala em si precise preparar terreno. Embora seja sutil, a câmera de André S. Brandão ora se esconde, ora prefere se aproximar, por zoom ou em travelling, do que já está observando, dando essa impressão de que algo súbito vai acontecer a qualquer instante. E acontece, claro, sem que ninguém veja. Quando Maria começa sua peregrinação pela cidade em busca do filho, percebe-se a distância da câmera, como se ela estivesse sob monitoramento.


Apesar da condução soar sempre robusta, e de Marcélia ter uma presença firme na maior parte do tempo, à medida em que ela avança sozinha no mistério surge a impressão de que o texto e sua interpretação não estão em sintonia. Diante da gravidade do que se presume estar acontecendo, sinto que há um limite na forma como ela encarna a emoção, o silêncio, a revolta. Mesmo que o tom de denúncia esteja sempre posto à mesa, incluindo aqui a inserção das Mães de Maio na delicada participação da Helena Ignez, por vezes a reação vai deixando o filme sem urgência.


Mawusi Tulani, pelo contrário, dá potência ao conflito sempre que aparece, mesmo que seja por pouco tempo. Quando aparece ainda de costas respondendo a vizinha com rispidez, conseguimos sentir o temor da sua fala. "Eu lá sei dos filhos dos outros, Maria...", diz brava, sentimento que contrasta com o olhar aflito que vemos logo a seguir quando fecha a porta e se revela sozinha. Dunstin Farias é uma revelação interessante, dando ao seu personagem tanto naturalidade quanto firmeza do que vive, especialmente na apresentação das rimas.


O sentimento de A Mãe, no entanto, começa e termina muito vivo. Reunindo lamento e crueldade num desfecho montado pra "revelar" o passado, Burlan questiona de forma bastante direta a proteção que esse sistema tão às claras continua operando nas cidades brasileiras, fazendo da violência um aparato de sua própria manutenção. Mesmo na ficção, tantos anos depois, o cineasta faz questão de nos lembrar que essa, inevitavelmente, também é a sua própria história.

 
 

Direção: Cristiano Burlan

Argumento e Roteiro: Ana Carolina Marinho e Cristiano Burlan

Direção de Fotografia: André S. Brandão

Direção de Arte: Karla Salvoni

Montagem: Cristiano Burlan, Renato Maia

Figurino: Helô Cobra

Maquiagem e Caracterização: Julliana Fraga

Técnico de Som Direto: André Bellantani

Desenho de Som: Ricardo Zollner

Trilha Sonora: Ricardo Zollner e Thiago Liguori


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