"Ahed’s Knee" é cinema para respostas fáceis
CRÍTICA Dividindo Prêmio do Júri com "Memoria" em Cannes, novo filme de Nadav Lapid confia numa denúncia solitária
Seria possível elencar filmes muito diferentes onde a inserção de seu próprio autor na narrativa, sob a liberdade de um ater ego, seja um dispositivo para expor o ponto de seu discurso frontalmente - de Miguel Falabella jogando para o ar o bom senso no fim de Toma Lá Dá Cá, ao Almodóvar pomposo de Dor e Glória e os vários Hong Sang-Soo de sua extensa carreira demasiadamente autorreferente. Em Ahed’s Knee (O Joelho de Ahed, numa tradução ainda não utilizada no Brasil), o israelense Nadav Lapid condensa seu rancor em Y, cineasta mal-encarado que está visitando um vilarejo a convite do Ministério da Cultura para exibição de seu filme, apesar de não ser conivente com a repressão de seu Estado.
Antes de anunciar essa dinâmica contraditória, cujos rumos causam um suspense empolgante, a bagunça cênica começa a incomodar ainda cedo na direção mais interessada na brincadeira da “metalinguagem” do que na eloquência de seu discurso, fazendo com que essa história comece intrigante e rapidamente se torne enfadonha quando o assunto já está posto.
No fim, esse experimento é apenas um cineasta, certo de sua identidade, flertando repetitivamente com as ameaças de uma explosão do próprio cinema – então a câmera balança sempre quando pode, desenquadrando, pendente, intimidante, procurando uma fuga. Em outro contexto, isso lembra sua proposta caótica no charmoso Synonymes (2019), onde um estrangeiro se põe como tal também na subjetividade da própria câmera que “não está ali”. Aqui, claro que essa dinâmica de um autor transpirando pela própria ferramenta seria incrível se não fosse lançada dessa forma, sem mais nada para sustentar ao redor.
Denunciando essa escassez, a tensão se concentra no embate passivo entre Y e a representante do Ministério, Yahalom, uma mulher jovem cuja imagem vai contra ao corpo que ele estava idealizando como inimigo. Se essa disposição já fosse estranha por si só, o roteiro de Lapid persiste num bobo subtexto sexual (com Yahalom e fora de si, com seu ego) como se fosse uma canalização da frustração desse personagem afogado.
O que realmente sobra nessa dramatização superficial é apenas o que importava desde o início: a denúncia de um estado de censura, cujo ministério da cultura é alheio aos deveres propriamente artísticos, fazendo da publicidade e da política uma existência deturpada do cinema. A sequência de seu grito é mesmo eletrizante, e Lapid é esperto o suficiente para pôr ao fundo um deserto caloroso e desolado, como se ninguém fosse capaz de escutá-lo pegar fogo.
Apesar disso, a denúncia é enfraquecida quando volta a se vestir da mesma dinâmica vazia e pouquíssimo física que há entre Y e sua suposta realidade. Mesmo que as performances de Avshalom Pollak e Nur Fibak consigam se encaixar nesse aperto e guiar as transformações grosseiras da narrativa, a forma como seus personagens são construídos, e conduzidos, os fazem soar mais míopes do que a caricatura naturalmente exigiria.
Após se revelar, Ahed’s Knee vai se tornando refém de seu próprio objetivo, tão empolgado com uma estética perturbadora do manifesto, que ele mesmo acaba parecendo apenas uma desculpa feita às pressas – e talvez bem-sucedido, afinal, uma exibição premiada em Cannes parece mesmo o espaço ideal para se publicar uma indignação, por mais inofensiva que ela seja cinematograficamente.
★★
Direção: Nadav Lapid
Roteiro: Nadav Lapid
Fotografia: Shaï Goldman
Montagem: Nili Feller
Desenho de som: Aviv Aldema, Marina Kertesz, Bruno Mercere
Design de produção: Pascale Consigny
Produção: Judith Lou Lévy
País de Origem: França, Alemanha, Israel
Título Original: Ha`berech / הברך
Ano de Lançamento: 2021
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