Amor de Mãe #03: Porque o tempo, o tempo não para
Na terceira semana, a história avança com responsabilidade e surpresas
Amor de Mãe é uma novela que não estaciona, isso está claro para quem consegue acompanhá-la diariamente. Seu ritmo de imediatismo parece se utilizar do caos urbano, das coincidências evocadas no estado fabular do ato de contar histórias de amor, por exemplo. De um capítulo pro outro, um beijo de fim de festa vira namoro, uma gravidez ganha barriga, personagens que parecem compor apenas a paisagem estrutural ganham traços dramáticos importantes para a novela, reforçando ainda mais que esta seja uma peça inteira sem “lado de fora”.
A teia continua
A cena mais bonita dessa semana é, certamente, o primeiro beijo de Danilo e Camila - depois de uma longa noite, ao fim de um viaduto cortado ao meio, a cidade correndo em volta e as montanhas cariocas sumidas por detrás das nuvens tímidas. O plano é de uma construção belíssima, ainda mais ao demorar em tela à voz de Moreno Veloso cantando "Deusa do Amor", mas a emoção ganha força mesmo pelo contexto.
Em mais uma investida em juntar todos os pontos dessa teia social, Manuela Dias põe o acaso fabular para unir o filho de Thelma e a filha de Lurdes, num romance criado basicamente para causar tensão na relação das mães, já que o namoro seguirá por meses em segredo de Thelma. Mas a imprevisibilidade dessa aposta já parece arregalar os olhos do telespectador.
Outra integração surpreendente de núcleos é a ligação de Vitória com Raul, empresário que namora Érica, filha de Lurdes. Tiveram um namoro na faculdade e Vitória ficou grávida em segredo - a suspeita principal que corre pela internet é de que Camila, filha de Lurdes, seja essa menina. Cenas dos próximos capítulos...
E Durval, o uberista apaixonado por Thelma? Por que ele mora num trailer no meio de uma praça? Amanda, tudo bem, uma personagem que vive escondida enquanto planeja uma vingança na empresa em que trabalha. Mas e Durval? Está escondido da própria família. É uma resposta interessante, ainda mais ao ser estimulada pela condição terminal de Thelma. Então mais nós conectados: sua esposa é Carol, irmã de Vitória. Vamos ver até onde isso vai.
Um dos deuses mais lindos
“És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho… Tempo, tempo, tempo, tempo…”. Nessa terceira semana, no penúltimo episódio, o tempo voa inesperadamente para avançar algumas tramas. Principalmente a de Sandro que seria solto em alguns meses e a da Vitória, cuja gravidez precisa se tornar evidente para dramatizá-la.
O que chama atenção aqui é a aposta nesse recurso temporal sem qualquer preparação prévia. Salta, oferece uma sensação de organicidade nas várias tramas apresentadas, além de gerar uma expectativa sobre suas conduções.
Thelma agora se prepara para reabrir o restaurante, e é uma pena que a história ainda não tenha apostado todas as fichas numa flexibilização de seu conflito. O surgimento de Durval como seu possível par romântico ainda é tímido, mas quando está em foco é de uma beleza simbólica muito presente. O restaurante e o aneurisma, dramas iniciais de Thelma, estão começando a cansar dentro do movimento que a própria novela insiste. Mas deixemos para que o próprio tempo, do futuro ou do presente, resolva essas questões.
Almoço de Mãe
No penúltimo episódio, exibido no dia 13, Lurdes prepara um almoço para muitos convidados. Ali, a essência estrutural da novela é resumida numa das cenas mais calorosas e bem-humoradas de todos os episódios até aqui. Raul, o milionário alienígena nessa periferia, é um dos convidados. Lá, encontra Penha, outra personagem inesperada para se entrelaçar diretamente na trama, que trabalha para Lídia, sua ex-esposa.
Danilo, namorado de Camila em sigilo, também surge em quadro como uma peça externa, fora de casa ou do outro restaurante. Ryan protagoniza momentos cômicos que dão o tom desse grande almoço de mãe - até o merchandising do Chester da Perdigão é apresentado com naturalidade, veja só. É uma cena que deixa clara a intenção de Manuela Dias em deixar seus núcleos todos juntos. O humor e o drama, os conflitos morais e sociais desses personagens estão necessariamente todos misturados. Essa é, sem dúvidas, a essência de sua marca estética enquanto escritora e compositora de tramas.
Sandro, o amor complexo
Só em mostrar o amor de Kátia, uma traficante de crianças, por Sandro, seu filho adotado na falha de uma dessas transações, Amor de Mãe já pareceu fugir tanto da santificação materna quanto da intenção de bondade que geralmente sustenta os dramas envolventes na TV.
Com a revelação que Domênico, o filho roubado de Lurdes, hoje se chama Sandro e está preso, surge uma complexidade para a protagonista vivida por Regina Casé ainda maior do crime de Magno que teve de acobertar. Lurdes passou a ser mãe de presidiário e seu amor por ele, após tantos anos procurando, ultrapassa a barreira ética e de um aparente bom senso que é imposto.
Ao sair da prisão, um novo drama está lançado. Os irmãos desconfiam da veracidade do irmão enquanto Lurdes quer protegê-lo. Essa dicotomia oferece momentos memoráveis, como a transição entre a satisfação da mãe em finalmente trazer o filho para casa e a revolta pela sugestão dada por Érica para que Sandro fizesse exame de DNA.
O último episódio termina com Sandro voltando secretamente para ações do crime, como era de se esperar pela vontade de Manuela em registrar um realismo social, e agora fica a dúvida sobre como essa história tão interessante será guiada.
Conflito ético
A trama que gira entre Vitória e David se torna mais complexa ao finalmente ser descoberto que ocupam lados opostos da mesma luta - Vitória advoga em defesa de Álvaro, dono da empresa que polui o meio-ambiente protegido por David. A paixão que tentou existir entre os dois esfria, apesar de David não se ausentar da preocupação paterna. Ainda não há muitas resposta sobre essa relação, já que ela pouco muda com a passagem do tempo que incide inesperadamente sobre a novela, mas o conflito ético que surge para ambos os lados parece que ainda vai construir novos pensamentos...
Quem sabe a linha está chegando ao fim?
Apesar do enredo avançar com responsabilidade sobre a própria proposta e estrutura, a Globo parece se preocupar com a estabilidade de sua audiência na Grande São Paulo. Não passando os 30 pontos de audiência, apesar de ainda ser um bom número, surgiram boatos de que os editores estão preparando mudanças quanto a iluminação da novela, com a intenção de retirar a “cara de série”, suposta como empecilho de relação com o espectador. Embora sutil, surge um grande receio de que uma intervenção estrutural possa ser cogitada e executada pela emissora. Pela internet, ronda a informação de que 70 episódios da novela já foram entregues e mudanças profundas só seriam feitas depois disso. Até lá, no entanto, muita coisa ainda pode acontecer para que Amor de Mãe termine da maneira como Manuela imaginou.
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