‘Avatar: O Caminho da Água’ conserva legado de James Cameron
CRÍTICA Esperada continuação da ficção científica que há mais de 10 anos mudou o cinema norte-americano chega mais perto do conforto do que de uma revolução
Quando Neytiri (Zoë Saldaña) está presa debaixo d'água na sequência final de Avatar: O Caminho da Água (2022), chega a ser engraçada a autorreferência de Titanic (1997), última ficção que James Cameron dirigiu antes de ter sua mente completamente invadida por este projeto que viria a ser lançado apenas 12 anos mais tarde, em 2009. Inevitavelmente, esse lembrete de cenário, situação e suspense me fez comparar o impacto visual, narrativo e sonoro que esse filme teria se posto lado a lado à tragédia marítima filmada nos anos 1990 - embora sejam distantes, a urgência diante desses personagens que descobrem um "novo mundo" tem seu grau de surpresa, mesmo para esse público de 2022 tão "treinado" pela tecnologia.
Diante do que se tornou possível de 2009 para cá, a começar pela própria irreverência do primeiro capítulo dessa saga, não sinto que O Caminho da Água proponha qualquer revolução, e nem acho que a obra queira isso de verdade. Mesmo que na imagem tenha tido um salto equivalente ao que Toy Story 4 (2019) representou para o filme anterior, a sensação é muito homogênea quando estamos em planos gerais ou que requerem muitas movimentações detalhadas dos bonecos, às vezes parecendo que estamos assistindo um jogo em 4K com óculos de realidade virtual. No IMAX 3D há uma textura especial, especialmente quando há confiança de se estender em planos próximos dos rostos, detalhes de objetos diversos ou quando o filme nos deixa afundar nas amplas paisagens. Dentro do mar, então, as cores e os movimentos seduzem.
Ora impressionando ora acomodando, essa narrativa gamificada é peça-chave para nos colocar para dentro de uma trama que, em si, é bastante enfadonha. Com esse interesse de "metaforizar" as sagas da colonização branca sobre povos originários na América, Cameron fica numa encruzilhada de não ter para onde ir sem ser a mesma ordem de fatores: povo em paz, conflito, ataque, defesa. A fuga para o povo do mar, os conflitos culturais, as armadilhas e os embates, é tudo tão reciclado que o propósito se torna troncho, mais violento do que pretende e até cafona à medida em que é consciente disso.
Cameron e sua equipe técnica, porém, são espertos por saberem fazer um filme ágil e envolvente apesar de tudo. O longuíssimo último ato, isoladamente, é a constatação de que o autor sabe construir gravidade mesmo com tantos lugares-comuns - as curtas reviravoltas, a ação, a trilha e a edição fazem tudo parecer muito urgente. Como quem monta uma equação, as três horas do filme comovem em ordem surpreendentemente direta, ao contrário de uma penca de filmes com essa carga hiperbólica que só se importam com o começo e com o fim. Depois de uma introdução repetitiva, vem um miolo que se deslumbra com a descoberta do mar e um desfecho que retoma a guerra; ritmo que me lembra Senhor dos Anéis, como se toda a trilogia fosse condensada num só filme.
Saio desse filme tão impressionado quanto indiferente porque a imensidão das imagens logo dá lugar a reflexão da própria história nas conversas pós-filme. O que Cameron tem na cabeça para querer fazer mais três filmes em Pandora se esse já é, estruturalmente, quase igual ao anterior? Se ultrapassar a guerra interplanetária, seria um grande ganho. No fundo (ou na superfície), isso nem importa tanto aos seus realizadores, porque Avatar nasceu mesmo como uma experiência de "montanha-russa", nessa ideia de renovar o interesse pelas esquecidas ficções científicas épicas, grandiosas e sem fim. Como isso continua funcionando muito bem com o público, especialmente na estratégica data de natal, seu legado já seria bem conservado - e respeitado - se fosse o caso dessa saga ser sua última contribuição de grande porte à indústria do cinema norte-americano.
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