Cine Ceará: Do Chile ao Japão, "Green Grass" delira sobre a saudade
CRÍTICA Na história de pai e filhos separados, Ignácio Ruiz encontra emoções bastante isoladas
A primeira – e provavelmente única – surpresa de assistir a essa história na tela imensa do Cineteatro São Luiz é que ela traz ao Cine Ceará imagens que dificilmente chegariam num festival ibero-americano: paisagens de um país oriental, lugar em que seu personagem mais interessante permanece ao longo de toda a projeção. Aproveitando-se narrativamente da coprodução entre Chile e Japão, o filme divide essas fronteiras geográficas e culturais na própria estrutura de sua história: de um lado um filho que não sabe onde está, do outro um pai que não sabe para onde vai.
Na trama, Kondo acorda em uma praia desconhecida e encontra pessoas que nem falam sua língua e nem lhe revelam onde está ou o que aconteceu. Nesse percurso inicial, o mistério é encenado de forma estranha, engessada, o que dá ao primeiro ato uma cara quase cômica apesar de essa não ser sua intenção - “que inferno, vocês não estão falando!”, grita o personagem numa cena penosa, posada para dar um grau creepy àquela recepção.
Quando fica evidente que a falta de explicações tem uma relação com a subversão da realidade, o filme também se apoia nos enquadramentos amplos, na luz nebulada e na trilha meditativa para construir essa sensação de um delírio compartilhado, quase como se emulasse o vazio de Terrence Malick. Na prática, esse sentimento se esgota rapidamente pela insistência em personagens e situações que agem de forma muito isolada, somando-se a interpretação de Masataka Izhizaki que atende ao marasmo da direção.
Curiosamente, o que mais se destaca aqui é o núcleo japonês. Na pele de um empresário enlutado, Tokuma Nishioka dá a esse filme uma desolação com a qual conseguimos nos relacionar pela suposição, mesmo que ele fale e aja tão pouco. Às vezes basta o olhar, o semblante, um misto de aceitação e desencontro – tudo muito mínimo, efêmero, principalmente porque sua participação não dura tanto na montagem.
Se diálogos e ritmo frágeis, desmedidos entre os dois lados da história, tornam esse filme insensível, a obra aparentemente se beneficia desse mesmo vazio para encontrar significado na própria imagem. No delírio ou fora dele, a fotografia dá conta desse “não-espaço”, tanto no Chile quanto no Japão. Do lado latino, a sequência da “violência” sob o céu rosado é particularmente forte, enquanto do outro lado a câmera prefere imagens menos amplas para destacar o personagem da realidade, em contraluz ou isolado na cidade, mas sempre imóvel enquanto vê o tempo passar.
Embora possa levar seu espectador a sair frustrado da sessão, sobretudo por não causar tantos sentimentos, ainda é mérito de Green Grass que ele nos faça pensar sobre distância e saudade, elementos que alteram profundamente nossa percepção sobre as coisas que existem e as pessoas que temos, ou não, por perto. Não é uma equação muito justa, especialmente num festival de cinema em que logo mais outro filme nos ocupará a cabeça, mas é o que a experiência pode oferecer.
Direção: Ignacio Ruiz
Roteiro: Ignacio Ruiz, Masataka Ishizaki
Produtores executivos: Yeniffer Fasciani, Masumi Soga
Direção de fotografia: Victor Silva
Direção de arte: Carolina Fuentealba
Direção de som: Cristian Arias
Edição: David Cárdenas, Ignacio Ruiz
Música original: Mayo - Nicolas Estany
País: Chile e Japão