‘Meninos de Las Brisas’ cruza sonhos com o destino de uma nação
32º Cine Ceará Gravado ao longo de 10 anos, diretora venezuelana enquadra a história desses personagens como testemunhas de um país sem destino
A experiência de buscar respostas para as perguntas dessa história parte, inevitavelmente, da condição do dispositivo: ao acompanhar seus personagens por quase 10 anos, Marianela Maldonado deixa claro que sua intenção está longe de uma observação fria, mas assumida num sopro de esperança. Diferente da passividade com que Richard Linklater gravou Boyhood (2014), ela segue esses Meninos de Las Brisas porque acredita que testemunhará um relato de conquista – ao contrário, encontra um lamento.
O documentário nos apresenta Edixon, Wuilly e Dissandra, jovens venezuelanos que moram em Las Brisas, um bairro apresentado como “uma das partes mais perigosas” da cidade de Valência. Em comum, o sonho pela música despertado por um programa de ensino musical a crianças e adolescentes. “Não imaginava que veria através dos seus olhos... o colapso do meu país”, revela Marianela ainda na abertura. O relato, por si só, impressiona.
O filme, portanto, toma para si a missão de se tornar próximo de seus protagonistas para compreender como seus sonhos são interpretados pelos espaços em que vivem. Nessa premissa, vemos estado, violência, igreja, família e pobreza se cruzarem numa balança de sonhos e oportunidades, equação que nunca parece funcionar. Com o passar dos anos, o país vai se dessensibilizando e ameaçando o sonho de ter toda uma vida dedicada à música, ao som agudo, acolhedor e solitário do violino.
Embora seja sua intenção cruzar esses destinos, a impressão constante é que nunca há tempo suficiente para compreendermos as entrelinhas do desastre político-financeiro desse país, transformando esses grandes acontecimentos (de uma década) em comentários e imagens que na tela duram pouco. Somado a forma como os saltos no tempo são administrados, a sensação é de uma história que embute muitos de seus pensamentos, tornando o projeto pouco menos ativo do que parece.
Diante da história que vemos acontecer – e pela qual torcemos –, porém, isso se se transforma numa leve inquietação. Isso porque o espaço que a obra dá para a própria intimidade de cada personagem retribui com uma emoção imensa. A mãe surda que não consegue ouvir seu filho tocar, o pai preocupado com o casamento, a garota que não quer ver sua irmã ir embora – esses conflitos alcançam a tela com naturalidade, e Marianela sabe como retomá-los à medida em que somam camadas às histórias que nos conta.
Essa aproximação também dá ao filme a fuga da reportagem, mérito destacável já que esse mar de filmagens poderia ganhar um aspecto bastante tradicional na mão de diretores inflexíveis, com cabeças flutuantes e uma penca de relatos comportados. Pelo contrário, os jovens ganham até certa autonomia de narração, a exemplo de quando Edixon discute com a mãe sobre o regime político do país.
Niños de Las Brisas – no título original –, é um filme bem honesto em relação ao que queria encontrar e ao que encontrou. Para enquadrar uma nação que desmancha, sua câmera se mantém cúmplice de quem decide filmar. Por coincidência, seus protagonistas agem como num roteiro de ficção e dão a essa história três finais possíveis; como nenhum deles é o que esperávamos, Marianela nos larga num mergulho do qual nem nós nem eles temos fôlego para voltar à superfície.
Direção e roteiro: Marianela Maldonado
Co-roteiristas: Ricardo Acosta, Jessica Wenzelmann
Produção: Lusa de la Ville
Direção de Fotografia: Robin Todd
Edição: Ricardo Acosta, C.C.E, Mike Magidson
Música: Nascuy Linares
Coprodução: Andy Glynne, Luc Martin-Gousset
Produtora associada: Carolina Ríos
País: Venezuela-Reino Unido-França
Título Original: Niños de Las Brisas
Adorei o texto!