Cinema 2024: 20 filmes favoritos do circuito comercial
Nessa lista, uma seleção pessoal de filmes que estrearam em circuito comercial de salas
Ficção Americana, de Jefrey Wright
Olhando para o outro lado, "Ficção Americana" observa o jeito como essas narrações são capitalizadas justamente pela população branca que coordena a indústria do entretenimento. Ao mesmo tempo em que premia Moonlight (2016) também premia Green Book (2018), o que faz todo sentido dentro dos termos que essa trama elabora. (Critica Completa)
Sem Coração, de Nara Normande e Tião
"Sem Coração", portanto, não esconde sua afinidade com as características que tornaram esse dito "cinema brasileiro contemporâneo" tão emblemático, que é a fantasia atrelada aos abismos de seu contexto social, de classe, raça e gênero, olhando para seu leque de personagens como espelhos sutis da realidade. A diferença aqui é que o mundo ainda não está feito para essas crianças e adolescentes, experimentando aos poucos a ideia de que a beleza um dia simplesmente desaparece. (Crítica Completa)
Dahomey, de Mati Diop
Diop é esperta por fazer um filme observacional, sem ponto final, criado de forma súbita para não perder o momento e suas discussões. Com pouco mais de uma hora de duração, sabe ser enxuto no propósito de iniciar uma longa conversa sobre como as consequências seculares de invasões nunca deixaram de ecoar pelo mundo – equação que encontra o maior mistério não no retorno, mas no significado daquilo que permanece.
A Substância, de Coralie Fargeat
Ainda na primeira metade de "The Substance" já era possível ver a plateia fechando os olhos ou assistindo o filme por entre frestas dos dedos com a mão tampando o rosto porque as imagens, sem dúvidas, não eram fáceis de ver.Dirigido por Coralie Fargeat, "A Substância" - em tradução livre - conta a história de uma celebridade da televisão vivida por Demi Moore que se vê escanteada pelo mercado da mídia que desaprova seu corpo, julgada principalmente por sua idade. (Crítica Completa)
Todos Nós Desconhecidos, de Andrew Haigh
Olhando para o cinema de Andrew Haigh, agora parece ter sido inevitável que um dia os fantasmas apareceriam. Porque seus filmes suspendem o tempo para escutar por trás do que está tão quieto. São filmes sobre estranhos, sozinhos, que vão se atravessando e espalhando seus pedaços por aí. Aqui ele coloca Adam para conversar com seus pais de forma diretamente consciente para que possam dizer aquilo que jamais diriam vivos, para que Adam possa finalmente ouvir aquilo que pensava ter esquecido. "Tá tudo bem, já faz tanto tempo...", tenta se confortar, enquanto chora. É um filme de saudade com terror. A cena em que Harry enxerga os espíritos, esfumaçados sob o vidro escuro da sala, resume bem. Os fantasmas, afinal, assombram. (Crítica Completa)
Tudo O Que Você Podia Ser, de Ricardo Alves Jr.
Dos lados de “dentro”, porém, as quatro constroem sua própria liberdade, fazendo com que a felicidade seja um sentimento muito grande para que seja ameaçado – e isso está em tudo, na cor, na música, na montagem que respeita os tempos das conversas mais profundas e nos enquadramentos que fazem questão de mostrá-las como parte não só daquela cidade, mas daquele tempo. ‘Tudo o que você podia ser’ consegue captar exatamente isso, essa fresta por onde a luz passa e as alcança, juntas, na experiência coletiva de um mundo que ainda pode ser tanto. (Crítica Completa)
Os Fantasmas Ainda Se Divertem, de Tim Burton
A naturalidade com que essa história continua a anterior faz com que o filme se afaste de qualquer indigestão. Não parece que as referências ou personagens sejam coagidos à artificialidade da repetição e o hiato de quase 40 anos desaparece sob a vitalidade de um Tim Burton desavergonhado de si próprio. (Crítica Completa)
Estranho Caminho, de Guto Parente
Em certo grau, o filme de Guto constrói uma nova imagem sobre seu cinema até mesmo para nós, cinéfilos cearenses, que mesmo tão familiares ainda não conhecíamos uma camada sua tão íntima, sensível e mergulhada em dramas mais realistas, mesmo com um documentário emotivo lançado ano passado. A história, porém, de um filho em atrito com o pai enquanto é feito de refém pela covid-19, sabe encontrar seu grau comedido de delírio sobrenatural. (Texto completo)
Duna: Parte 2, de Dennis Villeneuve
Em meio a tanta velocidade dos blockbusters americanos, Denis Villeneuve opera aqui numa frequência menor, com mais cadência e respiros, fazendo-nos olhar para este mundo com menos urgência, apesar de todas revoluções e conflitos que permeiam a guerra social, política e religiosa pelo domínio de Arrakis e seus poderes vivos. Não é um grande feito, de fato, como se fosse originário ou vanguardista, mas seu acontecimento é importante depois de tanto rescaldo dos filmes de herói que há muito perderam seu impulso artístico na missão de nos chacoalhar para outra realidade. Também é curioso que no seu constante interesse de acessar reflexões nada novas sobre poder e sua manutenção, ‘Duna’ também é, de certa forma, uma história “anti-herói”. (Crítica Completa)
Quando Eu Me Encontrar, de Michelline Helena e Amanda Pontes
Por fim, o que ‘Quando Eu Me Encontrar’ tem de mais interessante é uma simplicidade que fere e abraça, ao mesmo tempo, ao longo de breves 80 minutos. A montagem, saltando entre núcleos que nos importam um pouco mais cada vez em que aparecem – o bar, a escola, a casa, a rua –, tanto vai tornando o destino previsível quanto acolhedor. Especialmente pela forma como Amanda e Michelline decidem nos abandonar, o filme termina com todos os sentimentos ainda muito vivos: a paz, o medo, a dúvida e uma irresistível esperança – está tudo lá, mesmo que, assim como Dayane, não estejamos vendo. (Crítica Completa)
Alien: Romulus, de Fede Álvarez
Queer, de Luca Guadagnino
Em torno de um erotismo velado que se repete de forma autêntica na sua carreira, Luca Guadagnino expande seu delírio de forma comovente. Ao redor desses dois homens que se atraem com discrição, há uma tensão nunca encarada, de fato. Expatriado dos EUA, o personagem de Daniel Craig é construído sob a frustração latente de um passado desaparecido, mas diante de um limite que o alcança com tranquilidade. Numa equação bonita e devastadora de tempo e desejo, seja nas ruas, nos bares, nos quartos, nos aviões ou até mesmo no meio da selva fechada, “Queer” sabe parecer sério e engraçado, grave e banal, tudo isso enquanto se desmancha a olho nu. (Critica Completa)
Cidade; Campo, de Juliana Rojas
Neste novo capítulo, a maior emoção é perceber “Cidade; Campo” na afirmação de Juliana como uma das grandes autoras desse tempo, que tem a coragem de criar perspectivas não apenas pela vontade de desmontar os padrões, mas pela segurança de dominá-los – o que é especialmente raro neste momento flexível do Cinema Brasileiro, na certeza de que seus filmes estão olhando para um lugar que ainda não chegamos. (Crítica Completa)
Orlando, Minha Biografia Política, de Paul B. Preciado
“Se você me escreveu antes de eu nascer, escrevo esta carta para você morta” – é com essa frase que Paul B. Preciado apresenta a relação entre o olhar moderno sobre corpos trans como o seu e "Orlando: uma Biografia", livro de Virgínia Wolf publicado em 1928. Filósofo, arquiteto e escritor, Preciado é autor de livros, ensaios e artigos que investigam diferentes percepções da teoria queer, olhando para a forma como a quebra do binarismo entre homem e mulher representa uma ação necessariamente política. Para expandir a conversa em paralelo com a sociedade atual, seu híbrido de documentário, ficção e ensaio apresenta pessoas trans de 8 a 70 anos tanto para “interpretar” o Orlando de Virgínia. (Critica Completa)
Ainda Estou Aqui, de Walter Salles
Fernanda Torres preenche a aflição dessa personagem pelo avesso das expectativas, longe do barulho, numa sutileza que vai desconcertando a audiência aos poucos. Essa abordagem é feita com tanto cuidado e naturalidade que alguns jornalistas declararam seu nome aos holofotes do Oscar no mesmo dia em que o filme estreou no 81º Festival de Veneza no começo de setembro. (Leia Mais)
Greice, de Leonardo Mouramateus
“Meio que é uma comédia”, disse Mouramateus quando estreou seu filme anterior também no Dragão, ano passado. A declaração soou mais engraçada que a própria história, cujo humor era constantemente engasgado e difícil de se relacionar. ‘Greice’, porém, é outra coisa, algo que o autor ainda não tinha até aqui. É um humor que parece eventual, efêmero, e que tem mesmo a cara do nosso cotidiano. Amandyra e Dipas, artistas que eu desconhecia como atores, parecem nascidos para esses personagens, atraídos por uma sinergia contagiante que explode discretamente sempre que estão juntos em tela. (Texto completo)
O Dia Que Te Conheci, de André Novais Oliveira
O que mais emociona a cada segundo aqui é a sensação de familiaridade - em vários sentidos - que a cadência do filme nos guia. Cineasta crucial para compreendermos o Cinema Brasileiro feito a partir da década passada, André Novais Oliveira eleva sua expertise de observação da cidade em seu estado "natural", permeado de pessoas e sentimentos, destinos e limites. Pela premissa partir de um romance, muitos espectadores puxaram referências da trilogia cíclica do Richard Linklater, mas a principal referência é o seu próprio cinema. Como em "Ela Volta na Quinta" e "Temporada", o cotidiano se anuncia como o grande mediador invisível dessas peças espalhadas pelo tabuleiro, muito pelo magnetismo que Renato Novaes e Grace Passô estabelecem entre ingenuidade e certeza, para que a cidade possa ser percebida no contrário do sufoco.
La Chimera, de Alice Rohrwacher
É delicado a forma como Alice constrói essa existência de uma realidade que também parece sempre um sonho. Até as decisões literais soam sutis, como a própria estética da janela da película de pontas arredondadas e invadida por arranhões e poeiras na lente, além da cor dessaturada em tal sintonia com a luz dourada do sol e o verde vivo das árvores para que a imagem nunca deixe de nos seduzir – afinal, será que a qualquer momento não vamos acordar? “Senhor... Está sonhando?”, pergunta o comissário do trem para despertar Arthur de suas memórias sobre alguém que morreu mas que ele ainda procura. Esse diálogo ainda no começo, quando saltamos do aconchego de um sonho para a aflição sem fim das paisagens, é um resumo tão melancólico quanto fascinante de tudo o que ‘La Chimera’ consegue ser, da imagem de um mundo condenado a esquecer seu próprio tempo ao movimento dos fantasmas que simplesmente nunca couberam debaixo da terra. (Critica Completa)
Rivais, de Luca Guadagnino
Justamente por saber que tem em mãos um universo elétrico, permeado de ego e frustração, o filme faz disso seu motor popular, dando a essa jornada um tom quase novelesco com conflitos bastante anunciados mas sem desfecho à vista. A estética visual e sonora aproveita para esbanjar seu potencial de humor com insinuações diretas – como a música elétrica que sempre invade os diálogos, a decupagem imersiva que chega a “gamificar” a câmera em primeira pessoa e até mesmo como se ela fosse a bola do jogo, de lá pra cá, na vertigem, além dos planos-detalhes que captam pequenos gestos, uma mão na coxa, um olhar dúbio, um sorriso lento e devasso. Como se fosse uma constante brincadeira, o natural que duela com o que é fingido dá à trama um tom malandro que sustenta a graça, a ironia e o impulso. (Critica Completa)
Anatomia de uma Queda, de Justine Triet
Acostumado com tantos filmes americanos que partem de tramas como essa em diferentes gêneros – das comédias como Entre Facas e Segredos (2019) aos cascudos como Os Suspeitos (2013) –, o espectador pode ficar toda a projeção tentando presumir reviravoltas ou revelações diretas, ao que filme sempre nega com parcimônia e objetividade. As histórias, quer estejam nas páginas, nas telas ou nas nossas memórias, não passam de ruidosas invenções, constatação que poderia ser perigosamente falha num filme de tribunal ao tentar assumir que “a realidade não existe”, mas Justine Triet sabe reverter essa expectativa para anunciar o seu desastre irreversível. (Crítica Completa)
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