Cine Ceará: Do humor ao drama, a fuga extraordinária rumo a América
ENSAIO Em competição, os filmes "A Viagem Extraordinária de Celeste García”, de Arturo Infante, e “Luciérnagas”, de Bani Khoshnoudi, partem do mesmo ponto.
A iraniana Bani Khoshnoudi veio ao 29º Cine Ceará contar a história de Ramin, um jovem que fugiu de seu país no Oriente Médio e foi parar no México em busca de acolhimento. Está claro que a discussão central está no intuito da imigração, e o drama do não-pertencimento sustenta a obra por muito tempo até ceder à falta de resposta ou solução para uma vida apenas de margens. Sem dor de exclusão social, poderia ser como Brooklin, de John Crowley, onde uma jovem irlandesa encontra a solidão ao ter que viver em outro continente. Mas em Luciérnagas não há nada de doce em seu impulso, pois até mesmo as sugestões de carinho são cortadas com violência. Foi pra isso que Ramin fugiu?
No cubano A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia, a protagonista homônima recebe um convite da vizinha alienígena para visitar seu planeta. Aí já está claro a distância desta obra da anterior pela afirmação do absurdo que, claramente, precisa do humor como principal condução. Celeste sabe muito bem porque (e para onde) quer fugir, mas, exatamente como Ramin, não sabe o que vai encontrar no outro mundo.
Após suas aventuras apenas sonhadas sobre uma vida nova, ambos acabam por ficar e precisam encarar a própria realidade ao entender que é apenas dentro dela que podem impor uma mutação, encontrar a alegria e todo aquele leque de clichês. Em ambas as histórias, essa descoberta é apresentada com certa meiguice que arrancou sorrisos frouxos da plateia no 29º Cine Ceará.
É interessante aproximar os filmes, mérito da estrutura de um festival de cinema, principalmente por deixar explícito de que formas a ferramenta do cinema pode ser conduzida. João Moreira Salles disse em uma aula aberta que, em sua opinião, a qualidade de um filme está mais na forma como é feito do que em seu conteúdo – estava falando de documentário, cuja afirmação faz ainda mais sentido porque de reportagens-encomenda o “cinema contemporâneo” está cheio. Aqui estamos com dois filmes que partem da mesma necessidade de fuga para encontrar destinos diferentes.
É curioso procurar o que esses filmes querem dizer ao estabelecer uma relação de empatia da plateia quanto as complexidades de seus personagens, já que Bani e Arturo estão a cada minuto defendendo suas decisões. Enquanto no mexicano compactuamos com a solidão de Ramin para compreender sua insistência numa relação sexual de aspecto grosseiro, no cubano nossa compressibilidade defende Celeste por ser vítima de um relacionamento abusivo que é apresentando como um segredo compartilhado – além de Celeste, só nós sabemos disso.
Luciérnagas tem o pé no realismo por ser uma trama de caráter urbano, interessado especificamente na condição de marginalização social. Em A Viagem Extraordinária, Celeste é respeitada pelas pessoas que convive, “mas não é escutada”, como disse a atriz Maria Isabel Diaz no debate sobre o filme. São exclusões profundamente diferentes, mas ao dividirmos pedaço de seus dramas, seja no humor da ficção científica ou no drama da jornada urbana, a vontade de fugir permanece também do outro lado da tela.
*A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia venceu os prêmios de Melhor Roteiro, Montagem e Atriz no 29º Cine Ceará
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