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Foto do escritorAbdiel Anselmo

Eu sei, não vou te amar

COLUNA ABDIEL ANSELMO Um olhar sobre o filme que deu o primeiro prêmio internacional de Fernanda Torres

Há 38 anos era lançado o final da trilogia de apartamento “Eu sei que vou te amar” (1986) do famigerado cineasta Arnaldo Jabor. Teatral, colorido e completamente moderno (aos moldes da época), o filme narra a história de um casal sem nomes, representados essencialmente por sua classe, juventude, beleza e contradições. Uma história comprometida com a verborragia de seus protagonistas desesperadamente a fim de serem amados.


A dinâmica do casal principal lembra a excitação e agitação dos romances da Nouvelle Vague, como O demônio das onze horas (1965) e Masculino-Feminino (1966), ambos de Jean-Luc Godard, onde jovens amantes se debruçam sobre seus corpos e discutem amor como um conceito filosófico em construção. Errantes, eles relembram o período que se conheceram e o término repentino de um casamento perfeito tal qual flocos de neve às vésperas do verão. 


Amar é um verbo repetido à exaustão pelos personagens que falam e não acreditam no que dizem, que repetem as verdades de suas convicções pessoais como adolescentes tolos cheios de vaidades. O personagem de Thales Pan a certa altura nos lembra que “a verdade é uma nojeira filosofica inventada pelos monges da idade média que ficavam tocando punheta nos conventos, a verdade é o cacete o que interessa, é a objetividade porra”.


Por um momento o filme lembra o drama Cenas de um Casamento (1973), de Ingmar Bergman, onde os personagens rejeitam a sina de casal perfeito, traem-se e terminam e se reencontram agora como amantes, mais feliz do que nunca, um escárnio ao conservadorismo românticos em voga. Contudo, Eu sei que vou te amar, é mais sombrio e machista do que isso. 


Sua aparente maquiagem progressista está contida na montagem mixmidia, nos corpos desnudos do elenco, sendo penetrados por uma câmera intrusiva devotada do primeiro plano trêmulo e excitado. O cenário principal desenhado por Oscar Niemeyer é exuberante, além de ser um recurso dramatúrgico usado com perfeição pelo elenco, nas suas idas e vindas, no sobe e desce daquela discussão sem fim. Meio onírico e meio real, o filme parece menos um lugar real no tempo e espaço e mais uma visita não guiada nos meandros dos inconscientes de seus personagens. O retrato disso é uma das cenas finais onde o famoso beijo de A um passo da eternidade (1953), de Fred Zinnemann, é refeito dessa vez com a presença inusitada de um octópode gigante.


O texto de Arnaldo Jabor busca o escárnio, tal qual Nelson Rodrigues o faria, quando retrata a jogatina de gaslighting usada pelo macho de Thales em sua tentativa de ser vítima por desejar demais. Já Fernanda Torres, ainda com 20 anos de idade e de uma beleza avassaladora, orienta-se entre a passividade de tentar perdoar e a ousadia de ter um corpo livre para uma grande orgia. Apesar de visceral, o filme é preso à própria vista masculinizada de seu diretor. Não há nuances, nem pequenas revoluções que desconcertam nossos sentidos. Um delírio egolatra.


A crítica à burguesia é um tema caro à literatura brasileira e ao cinema, certamente é um dos recortes dessa montagem de Arnaldo Jabor, que brilha intensamente nas performances de seu elenco, mas é um vinho azedo, quase vinagre.

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