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Foto do escritorArthur Gadelha

"Free Guy" ou a revolução dos bichos de John Carpenter

CRÍTICA Entre o humor e a overdose, nova comédia de Ryan Reynolds se salva na diversão

Quando Guy tenta convencer seu amigo a pôr um óculos para ver a "verdade" do mundo em que vivem, parece impossível não lembrar do diálogo semelhante em Eles Vivem (1988) de John Carpenter. Consciente ou não, essa referência é ainda mais engraçada na condição contemporânea em que essa trama se desenvolve num século cada vez mais dominado pelas realidades virtuais. Até então um cara comum, Guy descobre subitamente que todas as coisas que significam ser sua vida estão dentro de um videogame e, por isso, controladas por códigos e algoritmos. A partir da descoberta, a epifania de revolução é imediata; é tudo muito óbvio, claro, mas até certo ponto o roteiro de Matt Lieberman e Zak Penn dosam essa condição de forma descontraída o suficiente para que o entretenimento valha a pena.


À medida em que essa aventura avança, para além da cômica e passageira relação política com a obra irreverente de Carpenter, vamos percebendo que já assistimos essa história em filmes como Show de Truman (1998), A Outra Terra (2011), Matrix (1999) e até mesmo A Origem (2010), por que não? Na perspectiva diretamente temática, o filme mais óbvio talvez seja Jogador Nº1 (2018), do Spielberg, onde o mundo virtual já ultrapassou a subsistência da realidade. Gráfica e narrativamente, há realmente pouca coisa que faça de Free Guy uma proposta autêntica, mas, curiosamente, é na plena consciência disso que seu valor tanto resplandece quanto é sucateado.


Nessa perspectiva, a chave principal é a subversão do controle como mera estratégia de diversão. Apesar de ser apenas a peça "não-jogável" de uma cidade programada, Guy desperta para possibilidades que não estavam no rastro - Reynolds incorpora com facilidade a inocência de um personagem que "não entende as regras", e o conflito entre esses mundos sustenta a expectativa por bastante tempo até que as coisas precisem ser "resolvidas". Peça central nessa transformação, a presença de uma tensa Jodie Comer faz com que sua personagem Millie aproxime a trama de um thriller investigativo - não dura muito, mas é uma contribuição de ritmo admirável.


Essa dualidade entre mundo real e virtual é testada no limite da brincadeira: as crianças deseducadas e influenciadores youtubers, elementos que realmente compõem a audiência de tanto investimento, além de uma performance completamente sem tons do Taika Waititi. Nesse jogo de roteiro, montagem, direção e atuação, há um ponto em que tudo soa tão artificial quanto a história que o filme vende ser o lado de lá - e claro que há uma ironia engenhosa perdida nessa dicotomia, mas ela é devorada logo em seguida.



A literalidade de uma revolução digital contra a "violência" do mundo real é modesta e contribui na narrativa apesar da indisposição que possa causar pela grosseria na forma como se desenvolve - e no fim das contas, os grandes momentos de Free Guy são todos assim divididos entre o humor e o exagero, o que nos leva ao desfecho desanimador. É quando, de repente, um filme que andava tão divertido se perde na própria confiança ao se entregar à bobagem nas reviravoltas, esvaziando o esperado clímax de qualquer emoção palpável. Também de repente, o filme se revela na contramão do que propôs ao construir uma conclusão enfadonha que se rende à referências do mundo pop para dar alguma identidade às piadas recicladas.


Fora do jogo, porém, a emulação da "vida como ela é" permanece de forma carinhosamente tola como uma dimensão das coisas que não acontecem do lado de cá. Afinal, não é essa a condição defendida na maioria das ficções científicas sobre viver o mundo virtual? - em Free Guy, essa mensagem é desenvolvida com uma dramaturgia tão rudimentar quanto a usada por Shyamalan para emocionar sobre a persistência do amor em Tempo (2021). Ora confortável e brincalhão na medida certa, ora genérico e impotente, o saldo final é de um filme que mesmo com tanto fôlego consegue se afogar em si mesmo.

 

★★★★★

 

Direção: Shawn Levy

Roteiro: Matt Lieberman e Zak Penn

Direção de Fotografia: George Richmond

Trilha Sonora: Christophe Beck

Montagem: Dean Zimmerman

País: EUA

Ano de Lançamento: 2021


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