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Foto do escritorArthur Gadelha

Eleito melhor filme de todos os tempos, ‘Jeanne Dielman’ sabe construir a repetição

ensaio Dirigido por Chantal Akerman, longa-metragem de 3h21m lidera aguardada lista desbancando posições de Hitchcock, Orson Welles e Vittorio De Sica.

Em primeiro lugar na lista de Melhores Filmes de Todos os Tempos atualizada este ano pela revista britânica Sight and Sound, Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975) - extenso título original que soma significado - acompanha três dias na vida de uma dona de casa viúva que mantém sua rotina de forma religiosa, até que pedaços dela ameaçam desmoronar - além disso, ela esconde um segredo: do filho, da cidade, e até mesmo de nós.


Com o esperado caráter conservador em relação aos cânones (como bem destrincha o crítico Filipe Furtado em artigo para a Folha), a lista britânica é atualizada a cada 10 anos. Na primeira edição, lançada em 1952, a lista era liderada pelo italiano Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio De Sica. Nas listas adiante (1962, 1972, 1982, 1992, 2002 e 2012), Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, liderou por cinco edições seguidas, sendo desbancado apenas em 2012 por Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, que foi empurrado já na edição seguinte, deste ano, que alçou Jeanne Dielman (1975) ao primeiro lugar. A lista em si, suas ausências e conivências imensas, rendem uma outra discussão.


Na trama do filme belga, Jeanne é interpretada por Delphine Seyrig com um rigor absoluto que sabe esconder a forma como esse mundo ilhado é recebido de forma tão silenciosa - e por isso recheada de um mistério difícil de acessar. Seu filho, alheio aos esforços da mãe na manutenção de seus dias, comenta em dado momento: “Se eu fosse uma mulher, eu nunca faria amor com alguém que eu não estivesse profundamente apaixonado”. Ela responde em seguida, antes de apagar a luz do quarto: “Como você pode saber? Você não é uma mulher”.


Ao fim desse filme, lembro do título de outro completamente diferente: A Thousand Cuts (2020), documentário filipino de Ramona S. Diaz exibido no 26º É Tudo Verdade sobre a jornalista Maria Ressa, vencedora do Nobel da Paz. Em dado momento, ela traduz a ideia de que ter o seu trabalho perseguido e censurado diariamente é como ter o corpo cortado com pequenos cortes, de novo e de novo a cada dia, cujo objetivo é o mesmo que ser guilhotinado num segundo, só que a longo prazo para que você mesmo desista antes da navalha. Lembro dessa lenta resistência ao que “nem parece ameaça” a olhos alheios porque sinto - suponho - que também é assim que se sente Jeanne Dielman. Para nós são 3 horas que custam a terminar. Para ela é o dia todo. Todo dia. E não termina.


No Brasil, o filme está disponível no streaming da Filmicca. Para a felicidade da comunidade cinéfila carioca, a Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro também anunciou que o filme terá uma exibição gratuita em março de 2023.

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