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Foto do escritorArthur Gadelha

"Mulher Oceano", um vislumbre da ficção ao desejo de realidade

CRÍTICA Na estreia de Djin Sganzerla como diretora, Tóquio encara Rio de Janeiro na meditação de uma angústia nunca anunciada propriamente

As brincadeiras entre ficção e sua construção explícita são constantemente revisitadas no cinema porque representam a metalinguagem imediata ao se pensar sobre um filme que se filma o escrevendo. Mas distante de exercícios como Mais Estranho que a Ficção (2006), onde um personagem confronta a própria autora para salvar sua vida ou até do que Almodóvar faz gentilmente em Dor e Glória (2019), a estreia da atriz Djin Sganzerla na direção de longa-metragem parece consciente dessa repetição e dá luz a uma história muito silenciosa para que esse dispositivo alcance o egocentrismo a qual está inevitavelmente destinado.


Para dispor desse diálogo, a própria Djin vive suas protagonistas: Hannah, escritora que está numa passagem meditativa pelo Japão para concluir seu próximo livro; e Ana, nadadora profissional no Rio de Janeiro que se dedica a um aperfeiçoamento de tempo e respiração. Mesmo com desafios diferentes, aos poucos suas existências vão se atravessando, como se fosse possível se comunicarem sem palavras, por meio de uma sensorialidade tão ligada ao oceano quanto à experiência única desse cinema.


Sustentada por uma performance de poucos gestos, essas personagens encontram seus motores de transformação na inquietude pessoal, porque apesar de estarem cientes (e aparentemente orgulhosas) do que as move, ainda pesa sobre seus destinos uma angústia nunca anunciada propriamente, um mal-estar generalizado, um curso incompleto, mas tão íntimo que seu desenvolvimento é calado e por isso aberto a muitas sugestões. Encarando as armadilhas tentadoras que poderia ceder para soar "esperto" na fusão das histórias, o roteiro de Djin e Vana Medeiros nos coloca cedo para dentro, mas sem exigir uma investigação explícita, tornando a jornada do filme cada vez mais distante da sua aparência sóbria.


Então essas vidas vão se atravessando, no Brasil e no Japão, mergulhadas numa carinhosa resposta que está no mar, uma matéria maleável, imensa, e que não precisa escolher um lugar só para existir - essa dinâmica do oceano, incorporado como terceiro personagem, anuncia com bastante antecedência que a fusão dessas mulheres está na fuga do mundo, na busca por uma unidade redentora.



O ritmo de contemplação quase meditativo, com a constante inserção de narrações poéticas sobre corpo, cidade e natureza, parece algo que Terrence Malick faria no seu auge para dar o tom fantasmagórico de uma dualidade entre a limitação humana e a infinidade do mar, esse corpo tão flexível de onde vieram todos os outros. Mas muito longe dessa vaga comparação com um cineasta embriagado na dimensão da vida, Djin prefere que essa dualidade seja composta entre o mundo e sua ficção, silenciosamente, dando a esse filme uma estrutura mais hipnótica do que quaisquer reflexões prontas sobre autoconhecimento.


Nesse trajeto cruzado, o calor do Rio de Janeiro e a frieza noturna de Tóquio surgem como atmosferas opostas, supondo que, apesar disso, ambas digerem o mesmo incômodo com as obrigações narrativas das cidades. Deixando explícita a contradição entre mar e seu território, Djin Sganzerla constrói uma história deliciosamente modesta na divagação sobre o que fazemos com as rotas que nos são permitidas nessa visão tão conservadora de civilidade, na forma como a ocupamos ou nos conformamos.


Nessa matemática, parece sempre que quem sobra é a gente - e se não há como mudar esse jogo, é mesmo na fantasia que ele vira de cabeça para baixo. Por fim, Mulher Oceano é um filme que faz da imensidão quieta sua maior beleza, aproveitando para se permitir não ser uma obra completa (como suas personagens), para que essa fuga não se finalize vazia sem nossa intromissão enquanto espectadores mergulhados - ou não - nesses desejos. Que viagem.

 

★★★★★

 

Direção: Djin Sganzerla

Roteiro: Djin Sganzerla e Vana Medeiros

Música: Rafael Cavalcanti

Fotografia: André Guerreiro Lopes

Edição: Karen Akerman

Figurino: João Marcos de Almeida

País de Origem: Brasil

Ano de Lançamento: 2020


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