Em novo ‘Nosferatu’, Eggers prefere as sombras - e desaparece
★★★☆☆ Em nova versão para os cinemas, vampiro arrepia em baixa voltagem. O filme entra em cartaz no dia 02 de janeiro.
Quando acorda de um delírio, Hutter está no quarto escuro de uma taberna, sozinho, abandonado no meio das montanhas frias de algum lugar inóspito do mundo. Embora finja normalidade com a ausência súbita dos bêbados e dos ciganos, está apavorado. Naquela mesma noite, ao se deparar com seu temido cliente à contraluz de um castelo fúnebre, ele já não consegue esconder nada e o terror espirra pelos olhos.
Ao pensar sobre todas as sensações que este novo Nosferatu recria diante das memoráveis adaptações anteriores, sinto que o impulso mais próprio é a proximidade do mal. Não dura tanto, mas é o suficiente para mostrar as garras de Robert Eggers como um criador preocupado com as imagens e suas sensações. Como o temor obscuro de “O Farol”, aqui as sombras se projetam na única sequência realmente eletrizante, quando Hutter submerge sob as ameaças veladas do temido Conde Orlok.
A presença demoníaca do Nosferatu, divisora da sua relação com Drácula, aqui surge de forma irredutível, refletido no semblante desesperado do seu hóspede. Nicholas Hoult encarna esse pavor de forma tangível, mostrando para nós o que não conseguimos ver sob a silhueta intimidante do vampiro. O sotaque ancestral do personagem se soma ao delírio de um castelo que se move sozinho e Eggers vai em Murnau para resgatar as sombras do expressionismo. Orlok leva mentes à alucinação e corpos ao colapso das doenças, uma presença que impressiona por grande parte da sua peregrinação.
O temor, por outro lado, pressupõe-se ser sustentado por Ellen, personagem que o evoca ainda no primeiro segundo do filme e teme pelo seu retorno. Lily-Rose Depp, porém, nunca ultrapassa um estado pré-formatado de tensão próximo a mímica de outros tantos filmes de horror. As cenas da “possessão” ou do ataque libidinoso são tão engasgadas que parecem até mal montadas, mas o desencaixe tem outros fatores.
Nas margens de toda essa inquietação em torno do sobrenatural, a performance que mais dá dimensão do que há de indigesto nessa versão é Willem Dafoe. Ator de experiência ímpar, inclusive com personagens estranhos e intimidantes, aqui entra numa pose quase cômica que o filme não tem. Nesse vai-e-vem entre detalhe e caricatura, o vampiro sobra.
Embora seja interpretado por Bill Skarsgård, já habituado aos monstros vide seu palhaço de It, o personagem é tão apagado sob o propósito de uma existência soturna, que na maior parte soa como um mero produto CGI. Ao mesmo tempo, impressiona a nova proposta de aparência e a sua condução etérea – dos pesadelos às sombras da noite, ele está lá.
Fugindo do chacoalho e da mesmice, Eggers acabou recriando essa história com uma palidez que frustra pela aparência límpida, sem ranhuras ou tensões explosivas, e entretém pela objetividade do trajeto. Como se emulasse um azul soturno próximo ao P&B, apropria-se de forma bonita dessa sensação de um mal que se aproxima sem que se possa ver ou acreditar, mas foge da oportunidade de encará-lo como o clássico alemão o fez sem medo.
Como um contra-argumento, porém, ele pelo menos sabe a hora certa de revelá-lo para maquiar a narrativa frouxa da sua perseguição. Seu olhar, naquele segundo, resume a razão dessa mitologia ser tão fascinante diante das tragédias irreversíveis da humanidade, arrebatando da sua audiência qualquer mal-estar que porventura ainda estivesse engasgado. Talvez não seja suficiente para tornar-se um projeto inesquecível, mas este Nosferatu às vezes entende a graça do arrepio.
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