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Foto do escritorArthur Gadelha

Escapando dos palcos, ‘Nosso Sonho’ encara a irmandade de Claudinho e Buchecha

★★★★☆ | Cinebiografia estrelada por Juan Paiva e Lucas Penteado impressiona com simpatia e comoção

Quando surgem os primeiros flashbacks com imagens desestabilizadas numa indiscreta estética dos grãos de película, já é possível supor que não estamos diante de uma cinebiografia integralmente convencional. Ainda na abertura, a sinergia entre aquelas crianças já consegue colocar sua audiência para dentro de forma simples e direta, nos fazendo acreditar que a ligação entre os dois é algo predestinado, natural, que não tinha como não acontecer. Seja como fantasia polida ou como projeção de sentimentos, o fato é que o alicerce da história está no espaço que ocupam juntos.


É um ponto importante para entender o tom dessa trama - que pretende abraçar do surgimento da duplas de MCs até sua ruptura repentina - porque é comum em filmes do gênero que a passagem dos anos seja episódica, particionando muito a forma como as emoções avançam sobre os atores e os novos contextos de seus personagens. Talvez o exemplo mais famoso seja 2 Filhos de Francisco (2005), que começa envolvente e vai se perdendo à medida em que o presente se aproxima. Aqui o ritmo é diferente por dois motivos: o impacto da fama não estar ao centro do conflito e a escolha acertada de que todos os sentimentos sejam guiados pela naturalidade desconcertante do Juan Paiva, ator que interpreta o Buchecha.


Ele já havia chamado atenção quando estrelou o longa M-8: Quando a Morte Socorre a Vida (2019), depois sendo finalmente “apresentado” ao Brasil todo como o tímido Ravi da telenovela Um Lugar ao Sol (2021), mas é aqui que ele encontra o palco perfeito para mostrar seu potencial dramático. A ideia estranhamente convincente dele interpretar o mesmo personagem da adolescência à vida adulta nos convence da simplicidade com que ele alterna entre as emoções que vão surgindo sempre com frescor e surpresa. Como Claudinho, Lucas Penteado fica ali riscando a caricatura, às vezes parecendo ser apenas uma miragem do amigo, um devaneio, mas sem nunca despencar em algo meramente superficial. A conclusão dessa soma desregulada, deixando à parte observações sobre a fidelidade de suas representações, é que ela comove e diverte.


Em primeiro grau, é certo que pela desigualdade socioeconômica e pelos atritos familiares que marcam a trajetória dos dois artistas, esta seja uma história triste. Mas a ingenuidade estampada com leveza na cara do Juan e suas interações sempre muito vivas com Penteado imprimem ao filme uma simpatia imensa que nunca deixa o holofote, apesar de tudo, como algo que está sempre reluzindo. O reencontro coincidente no Salgueiro que acaba levando Buchecha à sua primeira festa frenética é um bom exemplo de como essa dupla funciona na tela – de forma instintiva, alegre e com muito humor.



É notável o empenho cenográfico em nos laçar em outra realidade temporal, especialmente na imersão que nos leva a um "outro" Rio de Janeiro, nas favelas, nas ruas e nos mirantes, com destaque aos profissionais envolvidos na construção dessa atmosfera, da fotografia à direção de arte e figurino. Fico um pouco decepcionado com as cenas de palco, todas imóveis e sem brilho, da dublagem desleixada aos planos e movimentos repetidos, sempre deixando muito evidente que roteiro e direção não sabem como dar a dimensão do sucesso, de como a existência desses dois cantores abalou toda uma geração – sobrando apenas à uma divertida sequência em que vídeos antigos tomam a montagem para nos fazer mergulhar em bailes do século passado.


Por outro lado, o filme também abraça o fato de não querer ser uma constante “recriação” – como, por exemplo, Bohemian Rhapsody (2018) achou que seria suficiente –, e decide ser fiel à irmandade vibrante do começo ao fim entre duas pessoas que se encontraram naturalmente e que, brutalmente, são separadas. Nem mesmo a comoção do Brasil, assustada e traumática, é propriamente citada porque ao filme interessa apenas aqueles dois. Ao invés de ver o mundo, nos basta ver o irmão que ficou, nos basta seu luto.


Aos poucos, Nosso Sonho também vai baixando a guarda e se tornando mais repetitivo à medida em que as mesmas feridas ficam voltando em círculos, preferindo esquecer tanta coisa que rodeou essas existências, mas o elenco segura o processo como um todo, fazendo rir e chorar em intensidades distintas - nessa missão, Tatiana Tiburcio e Nando Cunha também trazem grande contribuição. É uma história brasileira, popular e bastante comovente. Ao fim da sessão, com lamento e emoção, saí pelo corredor imitando o passo-da-pipa do Claudinho e repetindo até chegar em casa: “Nossa história vai virar cinema… e a gente vai passar em Hollywood… e se ninguém gostar não tem problema…

 


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