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Foto do escritorArthur Gadelha

A emoção solitária de ‘O Expresso Polar’, um estranho filme de natal

ensaio Em meio aos experimentos técnicos, Robert Zemeckis constrói um filme infantil que assusta mais do que deslumbra

Quando chega dezembro e o assunto é, inevitavelmente, os filmes de natal - numa discussão que sempre expõe os clichês que não cansam de se repetir nas comédias românticas e animações infantis - eu sempre vou me lembrar com carinho de dois títulos: Um Herói de Brinquedo (1996), de Brian Levant, que apesar da estreia ter minha idade estacionou na Sessão da Tarde repetidas vezes, e o enigmático O Expresso Polar (2004), de Robert Zemeckis. Não lembro quando o assisti pela primeira vez, e nem quantas vezes fiz isso, mas lembro de ser criança e já ter estranhas emoções despertadas por essa trama de um garoto que é levado para conhecer o Papai Noel a bordo de um trem noturno.


Lembro de assisti-lo já sem acreditar na existência do bom velhinho, e demorei muito a entender porque esse filme me incomodava tanto e, mesmo assim, reassistia sempre que eu tinha a oportunidade (inclusive lembro de ter alugado o DVD várias vezes). Depois fui compreender que a primeira das razões é meramente técnica. Lá em 2004, Zemeckis decidiu fazer algo corajoso e incomum ao construir um longa-metragem todo com capturas de movimento para dar reações reais a personagens de computação gráfica, uma espécie de embrião para a revolução que James Cameron faria anos depois com Avatar (2009). Existiam poucas referências naquele nível integral - o personagem Gollum de Senhor dos Anéis, por exemplo, já era incrível, mas era apenas um em meio a gravações do mundo real. Na tela de Expresso Polar, essa totalidade operava no limite do possível, soando mais fria do que a intenção - as expressões faciais, os gestos e principalmente os olhares, eram muito distantes, gelados, sem emoção.


A segunda razão é como um complemento narrativo, que era a constatação de que esse é um filme triste do começo ao fim. Não tem a ruminada "alegria do natal", mas uma contemplação recheada de mistério, lamento e solidão. Apesar do trem ser imenso, a trinca de personagens parece que está sozinha, compartilhando entre si esperanças silenciosas sobre suas próprias vidas que mal começaram. Em dado momento, quando já estão se aproximando da cidade, ouvimos o garoto cantar.


"Parece que ele anda

Ocupado e nunca vem

Quando é que vai

Lembrar de mim também

Mil presentes lindos

Todos vão querer

Só que eu nunca recebi

Eu só ouvir dizer"



Essa melancolia, alinhada com o vazio imenso da estrada e o olhar robótico da animação, dão a essa cena e tantas outras um caráter quase macabro. Ao mesmo tempo, hipnotiza, nos coloca para dentro, como que se conquistasse um olhar peculiar sobre a intimidade de crianças que descobrem tão cedo a existência do mundo. Do seu jeito ora mecânico ora sentimental, sinto que esse filme é bonito por conseguir existir no meio do caminho, como se observasse o momento em que a magia está se apagando naqueles corações. É muito sutil, principalmente porque a trama mantém a mitologia do Papai Noel e a maravilha de um canto frio que produz presentes para todas as crianças do mundo.


Além disso, as aventuras da história também soavam completamente novas para nós em 2004. O trem descarrilhando sobre o gelo, a jornada pelos túneis da cidade e a conversa com o espírito esquecido no teto, são sequências que tanto expõem uma urgência cativante quanto escondem um enigma sobre os significados dessa trajetória. Demorei para entender que a razão pela qual O Expresso Polar me deixava tão desconcertado era bastante simples: o filme me lembrava, sem que eu tivesse consciência disso, que eu estava crescendo, e mudando. Ainda hoje isso me emociona.


"Sonhos já perdidos

Renascem afinal

Eu já estou feliz

Por ser natal

Eu já estou feliz por ser natal"



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