O nocaute de “Medo do Escuro” em uma noite de explosões no Cinema do Dragão
ENSAIO Exibido poucas vezes, filme do finado Alumbramento marcou um novo momento no cinema de maior prestígio de Fortaleza
Nesta semana, tivemos o prazer de receber mais uma sessão exclusiva de “Medo do Escuro”, longa de Ivo Lopes Araújo, com execução de trilha sonora ao vivo. Para somar as especialidades da ocasião, a sessão aconteceu na reabertura da Sala 1 do Cinema do Dragão, dentro do contexto de aniversário de 24 anos do Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura, e sendo ainda estreia da Mostra Fortaleza à Margem, programação de filmes construída em parceria do Dragão com a Aceccine - Associação Cearense de Críticos de Cinema. Como é perceptível, foram muitas emoções reunidas.
Diante da tela, fomos levados a uma odisseia desconcertante porque as imagens e os sons de Medo do Escuro conseguem chegar até nós em seus mundos particulares, mesmo que os dois estejam entrelaçados na cidade que se desmancha à olhos nus. Diante dos rastros de uma civilização que partiu, uma cidade que não existe mais, o grito e a dança de quem sobrou. Vivido pelos hipnotizantes Jonnata Doll e Nataly Rocha, esses personagens insistem em encarar a cidade largada e permeá-la, mergulhá-la, chafurdá-la, de novo e de novo. Então eles vagam, entram em conflito, e fogem pelas margens, para dentro. Aos poucos vamos entendendo que dali não há rota de fuga, não tem outro lado, não tem saída.
Fortaleza é uma cidade suspensa, de desigualdades veladas, de pajeús soterrados, de omissões tão pífias quanto violentas. É claro que todo conceito de cidade é superado por tudo aquilo que não lhe é físico, por toda a matéria etérea que lhe compõe, como as memórias, os amores, as sensações de uma brisa, os encontros de uma praça. Mas desse lado de cá do tempo, esse que “Medo do Escuro” te faz lembrar que ainda existe, a destruição é inegociável. Ela vai acontecer.
É por isso que a dança final emociona, especialmente com a catártica explosão que a banda de Ivo Lopes Araujo, Thaís de Campos, Uirá dos Reis e Vitor Cozilos nos nocauteia. Como se fosse uma revelação, uma reconfiguração das margens de uma cidade sem centro, na resposta de que é na insistência do movimento, da loucura, do ímpeto de se fazer existir que as coisas realmente "permanecem".
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