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Foto do escritorArthur Gadelha

"O Oráculo": isto não é uma crítica

ENSAIO Novo filme de Melissa Dullius e Gustavo Jahn é um exercício vazio?


Tenho a total consciência de que este filme faz sentido para muita gente e de que não faz para mim. Outro ponto: meu constante exercício crítico que faço sobre obras audiovisuais reconhece a ampla superficialidade que há na busca por uma "totalização" ou generalização de pensamentos. Ponto 3: crítica não é consenso, não é sobre determinar verdades ou sobre traduzir filmes, desvendá-los ou anunciá-los. Afinal, se eu não suporto os longos minutos deste filme, de que importa? Porque não pode ser eu a ficar dizendo por aí que o "cinema", a linguagem centenária, tem um estado de correção, uma for(mula)ma a ser aplicada. Tudo o que me cabe numa crítica de cinema, e isso nem aprendi direito nesses meros cinco anos de atividade, é relatar a minha experiência. Não há imparcialidade no jornalismo e tampouco há na crítica de cinema. Talvez você escute algo contrário numa oficina crítica ou num curso de faculdade, mas saiba que essa filosofia do muro não me significa nada.


É por isso que a crítica de cinema não funciona de forma isolada, centralizada, de forma reverenciada a um "mestre". A crítica, quase que como uma entidade anárquica, só existe de verdade como um corpo coletivo. Se eu não suporto este "Oráculo", o Bruno Carmelo do Papo de Cinema apontou que o "prazer de observar uma obra experimental com os instintos treinados pelo cinema clássico-narrativo se encontra na provocação ao olhar: tornamo-nos crianças que enxergam figuras de animais em nuvens", assim como Michel Gutwilen, do Plano Crítico, que disse assumir a solitária tarefa de defendê-lo ao perceber que esses personagens estão lutando contra a inércia. Ao interpretar o único personagem que já se apresenta no movimento, Michel faz perguntas: "qual é o fim daquela caminhada? Seria interminável? Estaria ele justamente fadado a um eterno vagar, o que não é muito diferente de estar eternamente parado, sem perspectiva de destino final?"


Essa cena me lembra as longuíssimas caminhadas dos filmes de Bela Tarr, especialmente a que uma garota caminha com um gato morto em Satantango (1994) para enterrá-lo adiante. As perguntas de Michel poderiam traduzir na dúvida todos os personagens de Bela, todos completamente paralisados apesar do movimento, personagens que perderam todas as esperanças e à vida resta um lamento eterno, o vazio de significado, a morte do propósito. "Seguir em frente" não tem mais a menor substância... Era isso que estava lá em Oráculo?


Desse meu lado, por exemplo, acho bastante empolgante ler em textos que esse filme apresenta "montanhas" como personagens a serem observados pois lembro de uma bela composição de Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhotto sobre uma montanha que "insiste em ficar lá parada...". Eles tiveram a mesma imagem que Melissa e Gustavo mas, ao invés de experimentar no cinema, experimentaram na música.



Bom, como está claro já no título, este texto não é uma crítica sobre a sensorialidade de Oráculo, mas uma proposta de consciência sobre a dimensão da crítica em perceber os filmes que se tornam seus no exato momento em que a primeira palavra é escrita numa página em branco. Filmando o tempo de forma religiosa, esse filme não me diz nada sozinho - e isso não poderia ser uma vontade? Filmes como Oráculo me pegam nessa discussão que pode soar até tola e é por isso, algo que está dentro e fora deles, que me parecem filmes bastante "importantes". Um filme que faz eu me perguntar: por que mesmo que sou crítico? Por que mesmo aceitei ser presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema? São perguntas como essas que me fazem permanecer perguntando - para mim e para os filmes.


No mais, repetindo meu primeiro comentário sobre o filme no Letterboxd, nada me veio na cabeça após a sessão além da música de Caetano Veloso que deu origem ao belíssimo caos anterior de Melissa e Gustavo. Talvez essa música, aqui parafraseada, seja a minha verdadeira crítica. Alguns desses parágrafos sou eu dizendo ao filme, alguns é o filme respondendo, e o último, talvez seja o próprio cinema se manifestando sobre a crítica e falando como naquele meme: ei... fale baixo...


Não tenho nada com isso

nem vem falar

Eu não consigo entender sua lógica

Minha palavra cantada pode espantar

E a seus ouvidos parecer exótica


Mas acontece que

eu não posso me deixar

Levar por um papo que já não deu,

não deu

Acho que nada restou pra guardar

ou lembrar

Do muito ou pouco que houve entre

você e eu


Nenhuma força virá me fazer calar

Faço no tempo soar minha sílaba

Canto somente o que pede

pra se cantar

Sou o que soa eu não douro pílula


Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior

Com todo o mundo podendo brilhar

num cântico

Canto somente o que não

pode mais se calar

Noutras palavras sou

muito romântico


Caetano Veloso (1978)


Bom, é isso. Até a próxima não-crítica!


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