A epifania de uma vitória esperada com ‘Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo’
OSCAR Mesmo vencendo todos os prêmios que se esperava, a vitória do filme mais comentado do ano veio recheado de novas emoções
Na noite de ontem, aconteceu o que já estávamos todos esperando há meses na 95ª edição do Oscar: a consagração irrefreável de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), de Daniel Kwan e Daniel Scheinert. Além de Melhor Filme, venceu Direção, Montagem, Roteiro Original, Atriz Coadjuvante, Ator Coadjuvante e a catártica estatueta de Melhor Atriz para Michelle Yeoh, protagonista de todo o sentimento que há nessa história. Embora muitos estejam torcendo o nariz para este acontecimento, acho que ele representa algumas coisas bem interessantes para se pensar a cultura norte-americana.
Quando estreou em março de 2022, há pouco mais de um ano, pouca gente poderia apostar que ele pudesse chegar ao Oscar, muito porque seu tom de brincadeira estava muito longe de todo pré-requisito formal que pedem as grandes premiações. Afinal, esta é uma ficção científica. Com ajuda do boca a boca informal na internet o filme foi ganhando fama, estreando no Brasil em junho do mesmo ano, seguindo-se assim por outros países. Já ali, sem qualquer intenção de Oscar, já parecia se desenhar aquele sentimento de "filme-sensação" que preciso ver porque "está todo mundo vendo". Os meses foram passando a roda de discussão só crescia cada vez mais.
Com uma intenção nada minimalista, a trama nos joga para dentro de um multiverso no mesmo ano em que as peripécias do Sam Raimi se deitaram sobre o conceito na enfadonha sequência de Doutor Estranho. Na tela dos Daniels, essa história fica cada vez mais megalomaníaca ao passo em que, contraditoriamente, vai se tornando íntima. No fim das contas, é um filme muito mais divertido do que qualquer outro propósito superior – a edição rápida, o roteiro que sabe girar em círculos e, claro, a performance elétrica de Michelle Yeoh, fazem dessa história algo inesquecível.
Michelle venceu esse Oscar por uma personagem distante dos “pre-requisitos” de entrega que a academia costuma premiar: sem transformações físicas, sem mímica corporal de personalidade real, sem explosões maniqueístas, guiando um conflito familiar que muitos de nós podemos reconhecer. Nem todo mundo gostou, especialmente pela compreensível torcida que Cate Blanchett angariou no duríssimo Tár (2022). Mas não tinha como acontecer outra coisa: esse momento era da Michelle, do Ke Huy Quan, que nos presentearam com Evelyn e Waymond, eternos personagens.
Mesmo que tanto já tenha vindo antes nas inúmeras revoluções cibernéticas abraçadas pelas ficções científicas norte-americanas, das aventuras digitais às viagens no tempo e nas estrelas, essa história ainda parece respirar em direção a novidade por nunca esconder sua própria brincadeira. Às vezes engraçado, às vezes idiota. Como nunca foi novidade nos filmes que fizeram antes, Daniel Kwan e Daniel Scheinert colocam sua plateia para brincar de cinema enquanto nos tomam da drástica emoção que é estar vivo e lembrar das escolhas que não puderam existir. É bobo ou profundo?
Como Oscar nunca foi guiado pela qualidade dos filmes em si, eles perceberam que Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo era, na realidade, o melhor de dois mundos. Era “moderno”, “diverso”, imensamente popular e - claro - americano. Diferente do fenômeno Parasita (2019), sul-coreano que venceu o Oscar em 2020, este é um filme "de dentro", com investimento e retorno direto do próprio EUA, mesmo que tenha um elenco asiático. Tem gente que não gostou da glória que “um filme como esse” está recebendo, culpando a geração tik tok, o oportunismo da indústria e até o twitter… Faz parte, por enquanto. No relançamento de aniversário dos 50 anos desse filme, espero estar vivo, a gente retoma essa conversa.
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