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Foto do escritorArthur Gadelha

CurtaBH: "Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que não Existe Mais" é depois da distopia

Dirigido por Rafael Luan e Mike Dutra, curta-metragem cearense entrega luta antirracista à ficção cibernética

Na abertura de Prece Precipitadas, Breno (Mateus Henrique Ferreira do Nascimento) está com um amigo na parada de ônibus de uma rua noturna e deserta de Fortaleza quando é bruscamente raptado para o que parece ser um limbo entre passado e futuro, uma espécie de setor de transição entre as realidades onde toda configuração social está suspensa. Ao ser recebido por Akin (Amanda Monteiro) e Zuri (Muriel Cruz Phelipe), duas viajantes do tempo que transitam naquele espaço, Breno descobre algo sobre o próprio tempo: "Você entendeu que a gente veio do futuro? Lá somos nós que contamos a história", revela Akin.


Em dado momento, quando pergunta sobre uma "guerra mencionada", é respondido com surpresa: "Você devia saber da guerra... De onde você veio ela já cessou? Eu tô falando da fuga, do gosto de sangue na boca, do roubo, do baculejo...". Breno responde que está falando "dos homem, da polícia". É então que o criativo roteiro de Luan torna explícita sua inversão sobre o próprio gênero que elabora - afinal, diferente das ficções científicas que apostam num colapso sociopolítico que acontece no futuro, Preces Precipitadas acusa o óbvio de que a "distopia" já está aqui. O racismo fervente na fundação do Brasil, encrustado no tecido social tal como na estrutura institucional da lei sobre os órgãos repressores. A privação de liberdade e direitos já é um sangrento conflito desse presente.



Nessa história, a salvação cabe apenas ao futuro, como explicita Akin. É por isso que adere tão organicamente a inserção dessa aparência retrofuturista, onde pequenos elementos como luzes e computadores parecem nos levar ao universo repressor de Janaína Overdrive, aventura cibernética de Mozart Freire sobre uma ciborgue trans perseguida pelo "Estado". É na busca das fraturas expostas pelo genocídio da juventude negra que Preces Precipitadas fica preso à própria contemplação, como se mover-se adiante fosse, dessa vez, a verdadeira utopia.


Entregando grande espaço da narrativa para um simulacro do sufocamento branco traduzido no sequestro do corpo negro, o que há de mais expressivo em sua estrutura é o que a projeta para além dessa realidade abismal. Mesmo com irregular tratamento do som direto, essa história ganha reverberação na forma como relaciona o presente ao futuro para propor um novo mundo - seja ele no futuro ou seja ele em tempo algum. Ao concluir-se à contemplação dessa dúvida, Preces Precipitadas encontra o mesmo emocionante respiro que o abandono da dor palpitante no desfecho de Inabitável, de Matheus Farias e Enock Carvalho, curta pernambucano sobre a busca de uma mãe por sua filha trans que desapareceu da Terra. Quem sabe nosso futuro não seja aqui dentro.

 

★★★★

Direção: Rafael Luan e Mike Dutra

País: Brasil (CE)

Ano: 2020

 

Filme assistido no 22º FestCurtasBH – Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte

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