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Foto do escritorArthur Gadelha

Tateando uma ausência súbita, ‘Quando Eu Me Encontrar’ foge da catarse

★★★★☆ | Longa de estreia das veteranas Amanda Pontes e Michelline Helena ganhou exibição especial nesta sexta-feira após sua vitória no 12º Olhar de Cinema

Cena do filme Quando Eu Me Encontrar
Pipa e Luciana Souza

Quando algumas vozes surgem para cantar sobre mágoas do presente, numa espécie de "memória sonora" de pessoas que não vemos, a imaginação me levou lá nas experimentações narrativas de Café com Canela (2017), filme baiano que marcou a experimentação estética do cinema brasileiro contemporâneo. Ao longo deste filme, surgem três músicas para explicar didaticamente alguns dos sentimentos que estão em tela: “Preciso Me Encontrar”, do Cartola, “Comigo”, da Elza Soares, e “Uma Canção Desnaturada”, de Chico Buarque. Por debaixo de uma construção tão simples, é constante o gesto das diretoras de tatear algo que não está ali – além de Dayane, que subitamente partiu, estão invisíveis as saudades, as feridas, e principalmente a busca por evitar erros sem saber se já estão sendo cometidos.


Então é diante de um clássico conflito de “desaparecimento”, já tão dissecado não só em dramas brasileiros, que as roteiristas e diretoras Amanda Pontes e Michelline Helena afastam essa história de qualquer gravidade, sem explosões, sem constatação de alarme. Esse sentimento está traduzido na interpretação minuciosa de Luciana Souza, a mãe que reage à fuga da filha com certa conformidade – ela já havia partido antes? Estava prenunciado? Era só uma questão de tempo? As perguntas voam para nós.


Este, porém, não é um filme sobre uma mãe que perde sua filha – não é um thriller, um road movie ou um suspense, gêneros em que poderíamos elencar alguns títulos. Como essa personagem central não está presente, o roteiro é esperto ao descentralizar a reação, pulverizando o impacto dessa despedida súbita em conflitos menores, efêmeros, dispersando a catarse nos personagens que a orbitam.


Com essa colcha de retalhos em mãos, o rumo também pode nos lembrar ‘A Filha do Palhaço (2022)’, de Pedro Diógenes, em que Amanda e Michelline também são co-roteristas. É perceptível que a cidade de Fortaleza que aparece aqui é a mesma, presente como objeto central dessa distância com destaque à melancolia dos ambientes noturnos, com prioridade de planos fechados, escuros, principalmente quando estamos na rua ou, como já esperamos num filme fortalezense, de frente para o mar. Não surpreendentemente, a fotografia de ambos os filmes são assinadas por Victor de Melo.


Cena do filme Quando Eu Me Encontrar
David Santos e Di Ferreira

Tendo a consciência da forma como esse encaixe acontece, é fascinante que uma trama com teor tão melancólico engate constantemente no humor de Antonio, vivido de forma memorável por David Santos, o noivo abandonado. Sua revolta também flutua da comédia para o drama num estalo, como numa das cenas do bar em que a câmera se aproxima lentamente do seu rosto enlutado. David, inclusive, opera numa mecânica semelhante em ‘Represa’ (2023), de Diego Hoefel, em que o roteiro lhe alça de alívio cômico a uma das peças-chaves da epifania do protagonista. Aqui ele não "chega" em algum lugar específico, pois a estrutura do filme em si não depende de conclusões.


Esse eixo é tão importante que o filme coloca dois atores à disposição de David: a cantora Di Ferreira que dá à trama uma emoção à parte com sua própria voz, e Lucas Limeira, ator cearense que vem despontando até internacionalmente nos últimos anos. Do outro lado, Pipa sustenta de forma atraente os temores de que algo está prestes a desabar. Sua presença é firme tanto na presença da novata Lis Sutter quanto da experiente Luciana Souza – aqui formando uma dupla de tons distantes, guiando o suspense do que realmente sentem até o fim.


Por fim, o que ‘Quando Eu Me Encontrar’ tem de mais interessante é uma simplicidade que fere e abraça, ao mesmo tempo, ao longo de breves 80 minutos. A montagem, saltando entre núcleos que nos importam um pouco mais cada vez em que aparecem – o bar, a escola, a casa, a rua –, tanto vai tornando o destino previsível quanto acolhedor. Especialmente pela forma como Amanda e Michelline decidem nos abandonar, o filme termina com todos os sentimentos ainda muito vivos: a paz, o medo, a dúvida e uma irresistível esperança – está tudo lá, mesmo que, assim como Dayane, não estejamos vendo.

 
 

Roteiro e Direção: Amanda Pontes, Michelline Helena

Produção executiva: Caroline Louise

Direção de Fotografia: Victor de Melo

Direção de Produção: Clara Bastos

Direção de arte: Thaís de Campos

Som: Lucas Coelho

Figurino: Lia Damasceno

Maquiagem: Elen Barbosa

Montagem: Mariana Nunes Gomes

Trilha sonora original: Vitor Cozilos, João Victor Barroso

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