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Foto do escritorArthur Gadelha

Rotina Familiar: em tempo de dia a dia

"Estamos juntos... mas não precisa se expor..."


Encarar a rotina como um fardo inevitável nem é atitude exclusiva ao ritmo grosseiro da cidade. Mais que condicionada a um espaço físico, parece vinculada a uma entrega de sentido social aos dias que passam sem o peso de serem tão esgotáveis. Em situação de isolamento social, ação decretada por governos estaduais brasileiros diante da pandemia da COVID-19 em constante ascensão no Brasil, as horas se bagunçam e suportá-las num curto espaço físico parece transportar o tempo tão orgânico daquela antiga vida às horas intermináveis e exaustivas de Virginia Woolf. É nessa potencialização da existência do "dia a dia" que se desenvolve Rotina Familiar: Crônica Visual, curta-metragem dirigido por Leo Silva e produzido por Emilly Guilherme.


Em menos de 10 minutos, o filme apresenta as curtas sensações de uma família em Santa Filomena, no Bairro Jangurussu em Fortaleza, Ceará. Numa reflexão fora de contexto, essas cenas poderiam ser interpretadas como cenários de um fim de semana, quem sabe um domingo à tarde. O barulho da cozinha, o arranhado da rede, os comerciais da TV que se repetem, as brincadeiras. Mas há um momento em que uma das crianças, em cima de uma bicicleta que precisa ficar dentro de casa, cantarola o jingle da TV Verdes Mares sobre a necessidade de união para combater o coronavírus – “estamos juntos, mas não precisa se expor...”. Pela quantidade de vezes que, em casa, escuto esse jingle vindo da TV na sala, eu também cantarolo sozinho sem nem perceber. Nesse instante fica certo que não deve ser a primeira vez que ela está cantando. Estão presas: ela e a bicicleta. Este não é um domingo porque as crianças estão em casa, este pode ser qualquer dia da quarentena. A nossa rotina virou a casa, a mídia, os jogos, as chamadas, a distância.


Os personagens dessa crônica não se comunicam verbalmente entre si porque estão imersos juntos nesse dia que há muito tempo pode ter perdido a urgência - amanhã tem de novo. Quem conta essa história são os sons, os cômodos, e os poucos olhares que as crianças lançam à câmera de Leo. Na rede da sala, dois assistem algo interessante no celular; o menino brinca com uma tiara e uma menina escreve algo num caderno; a cozinha já foi lavada.


A origem de Rotina Familiar: Crônica Visual, inclusive, faz parte da própria narrativa, pois é um projeto desenvolvido a partir do edital “Cultura Dendicasa – Arte de Casa para o Mundo”, iniciativa do Governo Estadual para oferecer assistência de produção aos artistas que tiveram seus trabalhos inviabilizados pelo isolamento social. Neste fim de semana de sua estreia, o Brasil alcançou o segundo lugar na relação dos países com mais casos de pessoas infectadas pelo coronavírus. Não há diálogo entre os estados e a união. Então os dias passam. O isolamento se estende. Até quando não sabemos. E muito menos essa história.


Esse texto foi publicado originalmente no blog da Associação Cearense de Críticos de Cinema - Aceccine

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