"Spencer" enxerga na fábula da realeza, um sufoco em comum
CRÍTICA Apostando num sufoco que gira em círculos, nova dramaturgia em torno da Princesa Diana é mais que um experimento
Não são bem surpresas as declarações de que o diretor chileno Pablo Larraín enxergue Spencer como o segundo filme de uma trilogia – ao centro, figuras “públicas” femininas que tiveram suas vidas conturbadas pela mídia em torno de suas relações com o poder político. Se antes mirou sua lente para Jackie Kennedy, desta vez é Diana. Não há surpresa por motivos tão construtivos quanto frustrantes, porque enquanto o ritmo de suspense soa como continuação imediata da imersão anterior, o filme opera num constante estado de espera como se ele todo fosse apenas o miolo de uma história que já começou e que não termina.
Claro, essa estrutura não está ali à toa. Larraín não tem o menor interesse de construir mais uma narrativa biográfica nos moldes americanos, e também não cede à tragédia que manchou de culpa a própria mídia da qual se beneficia, de certo modo. Então Spencer quer ser essa história fragmentada, ilhada, opaca – sensação que expõe imediatamente as melhores das qualidades suas e desta equipe. Assim como em O Clube (2015), Neruda (2016) e no próprio Jackie (2016), há uma atmosfera de sufoco em todas as camadas possíveis: da fotografia pálida de Claire Mathon e da trilha posada do Jonny Greenwood à direção labiríntica do próprio Larraín que consegue tornar física essa “falta de ar”.
É um casamento espontâneo, afinal, já que a personagem é a cúmplice perfeita agoniada pelo arsenal de regras dessa “Vida Real”. Sua câmera, por isso, quase não descansa de invadir o rosto da Kristen Stewart, atriz dedicada nessa missão ambígua de encarar uma personagem tanto real quanto fabricada pela fantasia popular. No começo pode até haver algum mal-estar quando nos deparamos com os tiques nos olhares cabisbaixos e na fala incansavelmente sussurrada, mas essa construção vai convencendo à medida em que o filme vai também se parecendo com a anunciada “fábula trágica”, com direito a aparição de fantasmas e miragens.
É um projeto redondo, coeso diante da intenção episódica e bastante esperto no culto que faz de uma personagem tão importante para a compreensão coletiva da cultura pop – e tendo Kristen ao centro, então, essa narrativa extra-filme de uma atriz “outsider” da indústria é também uma promoção convincente. O que o desequilibra porém, é que toda essa fórmula autossuficiente é esgotada muito cedo e o sufoco vai circulando eternamente na confiança de que a ausência de paralelos o justifica. Há construções belíssimas, como o incômodo das pérolas, o devaneio da sopa ou o ciclo do espantalho, mas a liga entre essas tensões vai amornando ao passo em que as emoções vão se repetindo e Diana vira um quadro estático. O olhar aflito da Kristen, que chega a ser tão poderoso, vai ficando mais sozinho do que a própria personagem. Cansa, pra falar num português direto.
Se em Jackie há uma aventura pelo terror e até pela brincadeira de linguagem na intercalação entre arquivo e presente, em Spencer o cineasta se põe num ritmo uníssono e embriagado, talvez porque Stewart precisava de uma defesa mais dedicada do que Natalie Portman ou Gael Garcia Bernal para explodir a campanha de premiação? É uma suposição. Sem Kristen, creio que Larraín teria em mãos um filme frágil demais para ser lembrado. Visto de outra perspectiva, claro que todas essas ponderações continuam fazendo todo sentido, organismo contraditório que faz deste um filme que sabe expor seu charme sem medo de soar egocêntrico e por isso desprendido demais de um fantasioso “mundo real”.
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight
Produção: Maren Ade
Música: Johnny Greenwood
Fotografia: Claire Mathon
Montagem: Sebastián Sepúlveda
País: EUA, Alemanha
Ano de Lançamento: 2021
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