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Foto do escritorArthur Gadelha

The Girl, a estreia audaciosa de Márta Mészáros no Cinema Húngaro

Pioneira no Cinema Húngaro, o primeiro longa-metragem de Márta Mészáros é também o primeiro dirigido por uma mulher do seu país. De que forma isso está na tela?

Por um convite tão curioso quanto assustador, Szõnyi Erzsi pausa todo os braços da sua rotina: o orfanato em que cresceu e seu trabalho operário numa fábrica têxtil. Até então desconhecida, sua mãe a convida para uma visita incomum no interior da Hungria. Para quê? Ela não sabe, mas decide ir mesmo assim. De cara, duas coisas impressionam na estreia dessa narrativa: a identidade técnica da fotografia e o discurso objetivo de uma mulher rodeada por ameaças.


No momento em que deixa sua vida de Budapeste, ainda na introdução do filme, um homem lhe aborda no trem de forma invasiva ao que Erzsi não consegue contornar diretamente. Essa cena preludia o fato de que situações assim aconteceriam a todo instante mesmo "sem ser" o conflito aparentemente principal da história. Enquanto busca entender, agir e processar o encontro com sua mãe, ao redor há um universo masculino que lhe põe constantemente à prova em sua resistência a essa coalização. Perceba o ano em que essa construção feminista é posta em prática direta: 1968. Data peculiar para se entender as principais revoluções do século inicial do cinema, um período onde vários países, mesmo com seus cinemas em mutação, não fizeram questão de ter mulheres como líderes dos movimentos tal qual os homens - mesmo que mulheres como Agnès Varda (Nouvelle Vague) e Helena Solberg (Cinema Novo Brasileiro), por exemplo, tenham espaço nesse reconhecimento de pioneirismo e influência.


É nesse contexto sólido que o julgamento sobre as ações das mulheres é o alvo dramático de Márta Mészáros. Afinal, a negação da mãe para a relação com a filha parece pautada principalmente pelo tolhimento imposto à sua condição de esposa "comportada", uma "decisão" atravessada pelo quão ela é controlada pelo marido, o homem que determina quem senta e quem levanta das cadeiras, o homem que põe a família para assistir um concurso de beleza cujos curadores e júri são homens do seu universo. É para esse mundo machista (rural e urbano, isso não importa) que Erzsi parte sem rumo de um objetivo. Na expectativa de rever a mãe, ela fica num limbo de uma experiência frágil e pouquíssimo expressiva. Estar ali e ser ainda mais ameaçada não vale a pena.


Diante dessa indecisão, um aspecto técnico é incorporado: a fotografia de Tamás Somló e Márta não estaciona, põe a câmera sempre em movimento num travelling flutuante (que Béla Tarr usaria mais tarde no próprio cinema) para reencontrar, revelar e esconder personagens e cenários. Numa mesma cena ela se aproxima, distancia, recorta uma pessoa, devolve outra, abre a paisagem para depois se fechar. Se essa insistência inquieta se torna cansativa, e por vezes óbvia, por outro lado desestabiliza a "tranquilidade" do que está acontecendo, quase como se convertesse em movimento o conflito que Erzsi passa por dentro. Afinal, uma simples conversa com o irmão que não sabe que ela é sua irmã, não pode mesmo ser uma simples conversa. Então a câmera a individualiza no plano, o recoloca em jogo, o exclui em seguida, é quase um baile admitido. Aquele lugar não é o dela, e essa inquietação combina com a performance delicada e quase imóvel de Kati Kovács.


Quando todas as cartas estão na mesa, o filme encontra dificuldades narrativas numa dúvida se amarra ou não tudo aquilo que contou. O conflito da mãe, por exemplo, é tão escanteado e não confrontado como tal, que certa frustração pode tomar a experiência do espectador, até mesmo quando uma outra peça (o pai) vai surgir lá na frente como uma "continuação" da conversa. Felizmente, porém, essa história nunca se enfadonha porque Erzsi é uma personagem constantemente desenvolvida para o fim que Márta a destina: uma mulher que, apesar de todo o suspense que gira ao seu redor, está absolutamente tranquila com a mesma vida que tinha antes de receber aquele convite tão estranho.

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