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Foto do escritorArthur Gadelha

‘The Neutral Ground’ discute o presente racista americano

CRÍTICA 14º ENCONTRO DE CINEMA NEGRO ZÓZIMO BULBUL

“A história dos negros nos EUA é a história dos EUA” – a fala de James Baldwin destrincha um contexto óbvio de fundação nacionalista que sequer é negado pelo outro lado dessa história, mas incorporado pelas justificativas mais pífias de superação do passado. No documentário de CJ Hunt essas contradições são postas em evidência na constatação de eterna reverência racista aos representantes desse discurso: monumentos de confederados que permaneceram espalhados por Nova Orleans, apesar de suas remoções terem sido aprovadas politicamente.


Diante da indiferença dos que não querem “repensar o tempo”, quando na realidade querem reafirmá-lo, o atrito desse contexto é imediato e experimentado por diferentes civilizações ao redor do mundo, cuja história está incrustrada de colonizações, assassinatos e escravidão. Só nesse 2021, por exemplo, o incêndio na estátua do bandeirante Borba Gato, em São Paulo, e a derrubada da imagem de Cristóvão Colombo, na Colômbia, reascenderam na mídia uma discussão nunca posta de lado.


O primeiro elemento que salta na narrativa de The Neutral Ground é a inserção do diretor Hunt – o que poderia ser apenas a colocação de narrador onipresente, clássica aos documentários convencionais, ganha um grau de atenção quando se percebe imediatamente seu interesse por engrenar nessa investigação um tom de humor irônico para constatar a forma como o absurdo segue sendo levado adiante.



“Percebi que essa história não caberia num vídeo de YouTube”, revela em dado momento, tornando público seu interesse por uma narrativa despojada de formalidade, especialmente após a revelação de sua passagem pelo stand-up comedy. Por mais que essa dinâmica tenha seus exageros em torno de uma discussão tão violenta, não deixa de ser um diferencial intrigante – como quando sua própria voz surge declamando, com deboche, as falas abertamente racistas dos confederados ali homenageados institucionalmente, ou quando pede para a edição pausar a música na tensão dos supremacistas armados.


Com uma montagem acelerada, narrada em diferentes tons à medida em que surgem personagens e entrevistados objetivos ou incoerentes, o filme vai ganhando bastante confiança na forma como resgata imagens de arquivo e as faz ganhar novas interpretações na costura com depoimentos que repensam a contemporaneidade. “A maioria dos escravos não sofria abusos”, revela um defensor dos confederados, seguido de um curto sino de alerta, ao que CJ solicita inquieto: “você poderia repetir?” – ele repete. De forma aparentemente descompromissada, vestida de casualidade, o filme expõe a razão explícita pela qual muitas estátuas ainda estão erguidas, por um passado que nunca deixou de ser como tal.


Com um registro moderado e bastante eloquente, seu ponto principal enquanto documento histórico é dar seguimento a uma série de constatações do cinema contemporâneo no questionamento das coisas que “nos contaram” – e a própria exposição de CJ na memória de quando “se descobriu negro” faz parte dessas dinâmicas pessoalizadas. Ao contrapor “passado” e presente, The Neutral Ground é constantemente inquieto diante da permanência à olhos nus da manutenção branca sobre os discursos apaziguadores, igualmente violentos, dos que acreditam deter o poder sobre a “história dos EUA”.

 

★★★

 

Direção: CJ Hunt

Produção: Darcy McKinnon

Roteiro: CJ Hunt, Jane Geisler, James Hamilton

Fotografia: Paavo Hanninen

Edição: Jane Geisler

Música: Sultana Isham

Som: Derek Rocque

País de Origem: EUA

Ano de Lançamento: 2021





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