“Top Gun: Maverick” não reage, mas conserta sua origem
CRÍTICA Quase 40 anos depois, sequência estrelada por Tom Cruise soa como uma despedida estranhamente honesta
“I've heard a story, a girl, she once told me that I would be happy again”
Além de cantarolando a música de Lady Gaga, saí desse filme pensando em outro: O Despertar da Força, sétimo da franquia Star Wars construído de tal forma para emular seu primeiro, lançado lá em 1977. Para trazer de volta a energia daquela aventura 40 anos depois, a engenhosa sacada foi tentar fazer “o mesmo filme”, uma espécie de sequência/remake. Pensei nisso pois acho que Top Gun tenta algo parecido, mesmo que para seu minúsculo universo seja muito difícil propor algo além do que já está estabelecido, encontrando no Maverick de Tom Cruise um mito estático.
Claro, essa equação de passado-presente estava posta de forma explícita na escalação de um limitado Miles Teller para resgatar o conflito emocional em torno de Goose, personagem do Anthony Edwards que morre no primeiro filme de forma anticlimática, muito porque toda a sequência final do combate me soou pouquíssimo compreensível. O que Joseph Kosinski faz aqui é compreender essa deficiência – quem sabe técnica e logística para a época – e elevar em sua potência máxima, aproveitando-se inclusive da tecnologia disponível de exibição; a experiência em IMAX é particularmente memorável. Ao organizar as cenas de ação às vezes até de forma didática, montando takes muito próximos dos aviões com gráficos interativos, senti que fui colocado para dentro. Ironicamente, isso me fez sentir mais a morte de Goose do que preocupação por qualquer outro personagem presente nesta sequência – nesse vai-volta da montagem entre os dois filmes, quem diria, encontrei méritos póstumos.
O que nada desses takes engenhosos me fizeram sentir, porém, foi tensão. E a razão disso me parece ser justamente aquilo do que Top Gun mais tem orgulho: seu herói. Tratado como uma lenda da aviação, Maverick tem mesmo uma presença inescapável no corpo de Tom Cruise, ator recentemente homenageado no 75ª Festival de Cannes por tudo o que essa mesma imagem representa para o cinema de ação dos EUA. O limite desse culto, porém, é quando ele se dá por construído, tornando a expectativa do “ele consegue” um artifício sem paixão.
Despreocupada com isso, a trama já começa desse jeito. Para tentar salvar o trabalho da sua equipe, Maverick alcança na primeira tentativa uma velocidade aparentemente impossível. Para impedir sua demissão logo adiante, rouba um avião e prova seu potencial no calor do ato. Claro, isso é apenas o comportamento clássico de um herói imbatível, determinado e por isso inigualável, mas em mim, nesta aventura, me soou como um motor de banalização da própria emoção, cortando o frescor até mesmo da reviravoltas do desfecho.
Top Gun: Maverick, porém, ainda consegue ser um filme cativante e até mesmo emotivo diante do legado de seu protagonista. Afinal, se o último segundo das revoltas não impactam como poderiam, é empolgante que este mesmo personagem tão devoto também represente a insubordinação à lógica militar norte-americana, gesto que o define e que, naturalmente, terá de ser herdado por alguém... Nesse ponto, a camada de homenagem opera bem na trama, o que também nos leva a canção de Lady Gaga, centrada exatamente nesse conflito de uma ferida do passado que nunca cicatriza.
Pode ser contraditório que, passado tantos anos, o ponto positivo dessa história ainda seja sua camada afetiva, mesmo que as sequências de ação tenham evoluído tanto e que representem o maior avanço estético em relação à forma como começou. Ao mesmo tempo, sobra repetição. Tanto as relações de Maverick com Bradley, Penny (vivida aqui por closes ensaiados da Jennifer Connelly) e seu superior quanto ao atrito entre os militares e todas as tensões envolvidas. Não como Star Wars, mas funciona. Começa engessado e termina parecendo honesto, como se o Tom Cruise dos dramas, das ações de tiro, do voo e da espionagem, estivesse tentando, através de um filme que ninguém pediu, preparar charmosamente sua própria despedida. Faz sentido.
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Ehren Kruger, Eric Warren Singer
e Christopher McQuarrie
Produção: Jerry Bruckheimer
Fotografia: Claudio Miranda
Montagem: Eddie Hamilton
Trilha Sonora: Lorne Balfe, Lady Gaga
e Hans Zimmer
Elenco: Eddie Hamilton
País: EUA
Ano de Lançamento: 2022
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