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Foto do escritorArthur Gadelha

‘Um Jóquei Cearense na Coreia’ se admira com destinos cruzados

CRÍTICA Documentário cearense coproduzido com a Coreia do Sul estreou ano passado no 73º É Tudo Verdade e chegou nesta semana aos cinemas brasileiros

É curioso pensar a curva que a trajetória de Guto Parente dá para chegar nesse filme que codirige com a sul-coreana Mi-Kyung Oh. Crescendo dentro do coletivo Alumbramento, e quase sempre ao lado de outros diretores, Guto foi se transformando numa das referências contemporâneas de um cinema independente que fazia do horror e da fantasia um exercício caseiro, íntimo, tendo como ápice A Morte Misteriosa de Pérola (2014), que dirige com Ticiana Augusto Lima. Aparentemente na contramão das imaginações sobrenaturais, esse novo filme acompanha um personagem irreverente: Antonio Davielson, que partiu do interior do Ceará para a Coreia do Sul com sua família para ganhar a vida em campeonatos de jóquei.


Essa história, apesar de real, é tão "não contada", quase secreta, que chega em nós como se fosse o ineditismo de um conto, de uma crônica, antes de ter a propícia roupagem de realidade. Diante desses mundos tão diferentes em cultura, espaço e tradição, Guto e Mi-Kyung fazem também uma estética híbrida como forma de olhar para esse personagem que existe no meio-campo. Para além da imagem que filma a contínua sensação solitária de seu protagonista dentro daquele mundo "estranho", esse sentimento de desconfiança e fé surge principalmente na trilha sonora que incide numa charmosa mistura de Ceará e Coreia (soma anunciada ainda nos créditos iniciais), como som delirante de dois universos que se colidem.


O documentário é fascinante até mesmo por o que não conta porque cresce a impressão de que a direção não quer incomodar, interferir e nem descobrir nada. As lacunas que ficam pelo meio do caminho, essencialmente porque a trajetória emocional de Antonio nunca está exatamente ao centro, deixam ainda mais curiosa a história de um cearense que faz "sucesso" do outro lado do mundo à partir de uma relação animal tão onipresente nos nossos sertões, do imaginário dos vaqueiros ao cangaço, onde a velocidade mútua de homem-bicho constrói honra.



A curta duração de 75 minutos ajuda na condução objetiva porque é perceptível que há pouca coisa para ser explorada - seja pela retração dos próprios entrevistados ou por demais circunstâncias da captação logicamente desafiadora entre dois países. Ao mesmo tempo, a montagem consegue atribuir uma subjetividade compartilhada entre quem olha e quem é olhado, construindo reflexões sobre pertencimento, destino e futuro, na dúvida sobre o quão real será aquela realidade.


Sentimos que essas perguntas também ficam do lado de lá, enquanto Antonio hesita sobre cada resposta sem nunca parecer que está incomodado ou propriamente orgulhoso, percepções que estão também nos cenários, nos enquadramentos, na iluminação, como quando um feixe de sol alcança parte do seu rosto sobre uma parede verde. "Quando você é criança muita coisa passa pela sua cabeça. Eu tinha ideia de ser caminhoneiro, vaqueiro... aí depois vi Ayrton Senna correr... aquilo pra mim... pronto, quero ser igual esse cara".


Sem tantos detalhes de um roteiro que, modestamente, conversa sobre os "lugares" que importam para Antonio, Um Jóquei Cearense na Coreia mantém até o fim uma camada de admiração, sem pensar em definições ou conclusões, pontuando também sobre classe social e a dúvida do futuro, contemplando a irreverência dessa vida aventurada sempre como uma surpresa.

 
 

Direção: Guto Parente, Mi-Kyung Oh

Roteiro: Guto Parente

Elenco: Antonio Davielson, Kelly Soares, Luise Soares

Trilha Sonora Original: Guto Parente

Fotografia: Guto Parente

Edição: Victor Costa Lopes, Guto Parente

Design de Produção: Mark Siegmund

Distribuição: Embaúba Filmes Duração: 1h15min

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