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Foto do escritorArthur Gadelha

Com ‘Uma Vida Oculta’, Terrence Malick insiste no silêncio da dúvida

crítica Exibido em Cannes como uma espécie de "retorno" do diretor à sua forma organizada, um filme que surpreende pela ausência do sublime

"Eu não fiz o mundo do jeito que é. E nem você"

Curiosamente, Uma Vida Oculta compartilha de uma característica recorrente nos recentes filmes ruins de Terrence Malick: a uniformidade passiva no desenvolvimento do conflito. Mas diferente de De Canção em Canção e Cavaleiro de Copas, por exemplo, aqui esse foco ressoante justifica porque estamos assistindo a história de um camponês austríaco que se recusa a declarar lealdade a Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial. A angústia e o medo que vêm com essa decisão embriagam as quase três horas desse filme, fazendo-o ter apenas uma linha narrativa muito clara acerca do sofrimento psicológico que Franz Jägerstätter sofre ao ser forçado a abandonar a própria família.


Os personagens - e aí há a brilhante inclusão da esposa Fani, vivida por Valerie Pachner - ficam dando voltas e voltas nessa dúvida silenciosa. Não há resposta sequer do Deus que esses camponeses acreditam tanto, lembrando com carinho do padre de Javier Barden que perdeu a fé em Amor Pleno. Um filme de perguntas, de penitência, distância, de beleza muito peculiar no contexto atual de sua filmografia. Um momento inconfundível.


Não deixa de também ser interessante ver as novidades estéticas de Malick diante do seu formato já carimbado desde O Novo Mundo, em 2005. Para além das imagens deslizantes, da filmagem existencialista e dos inesperados cortes durante o movimento, Uma Vida Oculta inaugura a imagem de arquivo dentro da narração. São elas que abrem o filme, apresentando a reverência popular a Hitler antes de escrever na tela também pela primeira vez: “essa história é baseada em eventos reais”. Durante o filme, imagens de arquivo invadem duas vezes a montagem não para ilustrar a realidade, mas para servir como uma espécie de sensação do passado.


Uma Vida Oculta, no entanto, é um filme que oferece conformidade dentro e fora de sua história pois a engrenagem narrativa é exatamente o que se pode esperar. Reiterando o elemento quase caricatural citado na primeira frase desse texto, a angústia de Franz e Fani não passa por construções complexas, transformações ou momentos incisivos. Esse sentimento vai crescendo lentamente ao longo das quase três horas até atingir o ponto mais alto de sua tensão. É um mérito também, vale ressaltar, pois Malick faz um filme de guerra sem bombas e até mesmo sem soldados. Aqui é apenas um homem que se enfrenta dentro do próprio silêncio.


Ou seja, prato cheio para os olhos espirituosos de Malick e sua equipe fotográfica, aqui liderada pelo fotógrafo Jörg Widmer que substitui Emmanuel Lubezki após seis filmes com o diretor. Embora suas histórias não sejam muito de protagonistas, aqui Malick investe numa divisão semelhante à proporcionada por A Árvore da Vida ao distribuir a tensão entre Franz e Fani. A esposa, porém, alcança maior visibilidade de conflito embora não seja quem está sofrendo penalização judicial por negar Hitler publicamente. Mais do que ter um destino certo, ela enfrenta a solidão sem qualquer apoio ao precisar manter a própria integridade em meio a completa falta de respostas das instituições que acredita. Malick reconhece essa pulsão e faz um dos feitos mais emocionantes da obra ao inclui-la afetivamente à memória dos guerreiros esquecidos.


Uma Vida Oculta é oficialmente o retorno de Terrence Malick aos filmes previamente roteirizados, diferente de suas últimas três produções. Parece um bom caminho a seguir já que, apesar da repetição das intenções, o diretor texano ainda parece ter boas histórias para contar.

 

★★★★

Direção: Terrence Malick

País: EUA

Ano: 2019

 

Esse texto foi publicado originalmente no blog da Associação Cearense de Críticos de Cinema - Aceccine

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