Na fidelidade do gesto escapista, ‘Vermelho, Branco e Sangue Azul’ atropela seu valor
★★☆☆☆ | Esperada adaptação do best-seller homônimo, novo filme original da Amazon funciona mais como guia visual do que de forma independente
Na contracapa de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, livro de Casey McQuiston publicado no Brasil em 2019, a autora se descreve como criadora de “comédias românticas alegres, excêntricas e escapistas”. Diante do ponto de partida da história, o filho da presidenta dos EUA que se apaixona por um príncipe do Reino Unido, essa abordagem reducionista e esperançosa é mesmo seu maior trunfo, elemento que o filme respeita veementemente. Afinal, quantas histórias de paixões avassaladores existem no cinema norte-americano – especialmente neste século em que vivemos – para cristalizar casais heterossexuais como objetos de desejo? É comum. Quando "Com Amor, Simon" foi lançado em 2018, essa percepção foi reascendida – os adolescentes gays do meu tempo tinham filmes populares assim para chegar na escola e conversar sobre de forma natural? Não. O problema de “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, porém, é se contentar com as sugestões e esquecer de que isso que ele está contando precisa parecer real, e não uma mero devaneio de alguém que ainda não acordou.
O que frustra é que não dá para acreditar nas coisas que deveriam tornar essa história emocionante: o ódio transformado em obsessão e desejo, o tesão de dois corpos que colidem depois de tanto se orbitarem, a existência de suas respectivas “prisões” em seus castelos de poder, e a gravidade estelar de um amor “profundo”. Taylor Perez e Nicholas Galitzine até encaixam com certa naturalidade nessa montanha-russa que é “apaixonar-se”, mas a sensação é que não tiveram tempo. Fica tudo corrido, sem tato, na superfície de um roteiro que tenta dar conta da maior quantidade de informações possíveis do livro, funcionando mais como um guia visual de quem conhece a história – ou apenas a supõe – do que como uma obra original.
A trajetória dos dois, do ranço ao inseparável, é constantemente atropelada, na expectativa de uma estrutura flexível que viaja no tempo para dar conta de tantos meses de vai-e-volta. Uma Thurman, como a primeira mulher presidente dos EUA, é uma caricatura de luxo, enquanto Rachel Hilson é a que mais consegue de fato existir na história como Nora, a confidente de Alex. Se não há emoção nos reencontros, o filme encontra seu espaço pelo menos nas partidas, nas crises, que é onde os atores podem finalmente trabalhar algo.
Para além do que já é apressado no roteiro e na própria montagem, não dá para acreditar que essas coisas estejam realmente acontecendo, que elas tenham impacto real nesse mundo fictício – a cena do Henry e Alex saindo na janela talvez seja uma boa síntese do quanto a história não consegue se resolver nem cenograficamente com o aparente pouco orçamento que teve. Parece um filme todo gravado num apertado estúdio em chroma key, sem qualquer fisicalidade, sem calor, sem mundo. Ao contrário de sua intenção, que imagino ser materializar o quanto aquelas pessoas ricas e famosas estão sempre ilhadas, a trama empurra seu universo para uma apatia imensa.
Por outro lado, também é impossível negar que, mesmo rasa, não deixa de ser cativante a simples existência de um romance gay tão bobo e inofensivo, especialmente pela facilidade com que as ameaças são diluídas. Já que nos faltou tantos filmes assim, é bom sonhar, mesmo que tardiamente, com um mundo em que as nossas vidas seriam diferentes se alguém tivesse chegado e nos contado que ok, tá tudo bem enfrentar séculos de tradição para assumir um insaciável amor de verão. “Vermelho, Branco e Sangue Azul” faz isso, é verdade, só que sem confiar em seu próprio valor.
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